quinta-feira, março 30, 2006

CARTA ABERTA

Caros Concidadãos

Francamente autonomista primeiro que partidário, tenho, por isso, de dirigir os meus actos públicos no sentido de promover, antes de tudo e mais do que tudo, o advento da causa autonómica no nosso arquipélago.
O movimento autonómico, como sabeis, alcançou os seus objectivos em dois momentos históricos e com duas estruturas diferentes: em Março de 1895, a autonomia distrital; em Abril de 1976, a autonomia regional.
Se é a Constituição de 1976 que cria o regime político-administrativo dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamentando-o, no dizer do artigo 225.º, “nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares”, quem pretender respeitar e perpetuar a causa autonómica não pode desprezar o movimento que conquistou, em 2 de Março de 1895, o primeiro diploma regulador de uma autonomia administrativa dos distritos dos Açores.
Afiançando, alto e bom som, com a firme convicção de não ser contestado o que digo, de que o povo açoriano tem nesta matéria histórica aspiração, estando, até hoje, por cumprir parte do desígnio constitucional.
Estando numa época de profunda renovação, parcela do tempo em que os visionários, mas também os realizadores, encontram o seu mundo, o sonho dos nossos antepassados, tornado já realidade, começa a ser ultrapassado.
Considerando que criar um movimento foi importante, mas mais ainda é manter o seu espírito, é permanecer consciente na acção pelo estudo do que se pretende e como se pretende, sem hesitações, isentos de receios, fiéis à história e à tradição.
Assim, uma vez estar em sede parlamentar a Proposta de decreto legislativo regional que adapta à Região Autónoma dos Açores o código de trabalho e respectiva regulamentação, prevendo no seu articulado (artigo 6.º) um artigo que determina os feriados regionais.
Serve a presente para exortar todos os Açorianos a, ao abrigo do direito de petição constitucional e legalmente previsto, solicitarem aos Deputados Regionais que, no uso do direito que lhes concede o artigo 23.º do Estatuto Político-Administrativo, aprovem a consagração do dia 2 de Março como feriado regional, enquanto data comemorativa do movimento autonómico na Região Autónoma dos Açores, em cumprimento, no aniversário dos 30 anos da autonomia constitucional, das históricas aspirações autonomistas das populações insulares.

Subscrevendo-me atenciosamente

Guilherme Júlio Tavares da Silva Marinho

P.S. Esta petição vai estar disponível no seguinte endereço:
http://www.da-autonomia.blogspot.com/
Todos aqueles que queiram juntar-se podem enviar o seu nome e BI para este e-mail: guilherme_marinho@yahoo.com.br
Caso haja número suficiente de adesões, a Petição será enviada à Assembleia Legislativa.

domingo, março 26, 2006

CRIATIVIDADE

Pois é, voltamos ao mesmo. Mais um debate que está por fazer, mais uma entrevista que traz um alerta mas não adianta soluções. Agora a justiça, ou melhor, a organização judiciária na Região. Na verdade, este tema não é fácil, nem é novo, mas, se nem o Sr. Juiz Conselheiro Carlos Oliveira consegue apontar caminhos, que esperar do comum dos mortais? As edições do Diário Insular de dias 17 e 18 p.p. são paradigmáticas. Conseguem colocar todos os partidos com assento parlamentar a aplaudir uma evidência mas nenhum a formular hipóteses. E não o fazem porque não o sabem nem têm obrigação de o saber. Em bom rigor, não devem ser os partidos a pensarem este tipo de causas ou a debaterem alternativas técnicas para um modelo judiciário nos Açores. Nesta, como noutras áreas, os partidos deveriam ser os receptáculos de um labor prévio. Não havendo, na Região, um Instituto Autonómico, como o da Catalunha, que produza pensamento político-filosófico sobre as autonomias, a responsabilidade pelo vazio doutrinário vai direitinha para a Universidade dos Açores ou para a “sociedade civil” que, na sua generalidade, se entretêm com a mise en céne e esquecem o debate das ideias. Resta-nos a comunicação social, alguma, com o risco que isso pode comportar. Por mim, confessando a minha fraqueza de pensamento, a «talho de foice», lanço para a mesa algumas considerações.
O artigo 9.º do nosso Estatuto Político-Administrativo (Organização judiciária) tem causado «espécie» a alguns e esperança a outros. Mas, dizer que «A organização judiciária terá em consideração as especificidades e necessidades próprias da Região» redunda no maniqueísmo do costume: ou, que o preceito não parece justificar que a organização judiciária nacional deva comportar diferenciações, ao nível organizacional, nos tribunais na Região, uma vez que a organização judiciária é já de si descentralizada, ou, que a regionalização da administração da justiça tarda em avançar. Como nos parece redutor entregar este debate às questões das competências administrativas, ou de gestão, respeitantes aos edifícios, instalações e seu funcionamento, obras de conservação e reparação, acompanhamento e promoção de recrutamento de pessoal, etc, olhemos além do umbigo.
O artigo 152.º da Constituição Espanhola não deixa dúvidas quanto à relação das Comunidades Autónomas com o poder judicial. Não nos encontramos perante uma relação orgânica mas territorial. A tese é de que a participação das regiões espanholas na organização das demarcações judiciárias do correspondente território é totalmente correcta, porque pressupõe que a distribuição dos julgados e tribunais de uma comunidade autónoma deva por esta ser feita, porque é esta a que melhor conhece as necessidades imediatas quanto à quantidade de assuntos e contenciosos em cada uma das partes do seu território.
Contudo, por cá, a margem criativa parece escassa. Primeiramente, porque, ao contrário de Espanha, a nossa Constituição não introduziu uma disposição que torna esse assunto mais acessível às atribuições regionais. Depois, porque é essencial que esta «tensão» salvaguarde os princípios da independência e unidade do poder judicial.
Mas, se o nosso Estatuto não pode, por ora, estabelecer as linhas gerais das competências dos tribunais na Região, ao menos, deveria estabelecer as condições e formas da participação dos órgãos de governo próprio na definição da divisão judicial do território regional bem como nas linhas gerais da sua organização.
Além disso, a proclamação da unidade e independência da judicial não pode ser considerada como uma impossibilidade para uma assumpção estatutária de diversidades judiciárias. Vejamos a existência de uma bolsa regional de magistrados e funcionários que possa cobrir as vacaturas, a regionalização dos registos e notariado, vejamos a criação de figuras como o provedor para a região ou o defensor público, ou de tribunais itinerantes como um de 2.ª instância com competência genérica (abarcando a área judicial e administrativa) ou, como lembrou Laborinho Lúcio, um de família e menores.
A finalizar, devo esclarecer que, sem prejuízo do debate futuro, acho imprescindível que qualquer iniciativa nesta matéria não possa ignorar, como questões prévias, quer as responsabilidades constitucionais da administração central no estado da justiça na Região, quer o diagnóstico actualizado dessa realidade. É por isso, que, aos meus olhos, continua a constituir um mistério que o relatório da autoria do Sr. Ministro da República, ainda não tenha merecido a atenção, os debates e os desenvolvimentos devidos na casa-mãe da autonomia.

Sé, 19 de Março de 2006

domingo, março 12, 2006

INCÓGNITAS

No momento em que se tornam públicas estas linhas, certas estão as saídas de Jorge Sampaio e de Laborinho Lúcio e a tomada de posse de Cavaco Silva. Talvez ainda não se saiba o nome do novo Representante da República para os Açores. Nos corredores da Autonomia surgem novos institutos e novos figurantes. As saídas e entradas em Belém e na Madre de Deus trazem, igualmente, incógnitas em qualquer reflexão sobre a matriz do relacionamento institucional entre Estado e Regiões Autónomas. Procuremos balizá-las.

Em Belém.
Jorge Fernando Branco de Sampaio. Consensualmente apelidado de amigo das autonomias, dedicou muito do seu esforço ne concertação e confluência de posições, procurando que, ao fim de trinta anos de evolução, a querela constitucional sobre as Regiões Autónomas pudesse ser dada por encerrada e o futuro do relacionamento entre o Estado e os órgãos de governo próprio, pudesse ser encarado com uma atitude qualitativamente diferente.
Viu, contudo, o fim do seu mandato ensombrado por declarações menos felizes por ocasião do discurso de abertura do congresso de cidadania (Janeiro de 2005). Tal como, então, tive oportunidade de dizer, não foram aquelas suas palavras que me fizeram esquecer os estímulos que deu às revisões constitucionais de 1997 e de 2004, à alteração das leis eleitorais, à lei de finanças regionais, e o especial cuidado com que lidou com a crise de 98, mas, infelizmente, são elas que transmitem o actual enquadramento presidencial para as autonomias que o novo inquilino esbaterá ou desenvolverá. Convém, pois, aqui, relembrá-las: “De algum modo condicionadas pela pressão de um pretenso conflito entre Estado e regiões Autónomas, as várias revisões constitucionais procuraram responder-lhe através de sucessivas alterações no sistema das autonomias regionais nem sempre bem sucedidas e de sentido muitas vezes falho de coerência. Porém, não obstante a ausência de um sentido evolutivo claro e acessível no estatuto das autonomias regionais, pode dizer-se que a última revisão instituiu um sistema que, não sendo, como qualquer outro, perfeito, dificilmente pode ser alterado, pelo menos de forma substancial, sem provocar rupturas incompatíveis com a natureza de um Estado unitário com Regiões Autónomas. No domínio da racionalização do funcionamento do sistema político regional, das competências legislativas e da representação da República a última revisão constitucional foi até onde se pode legitimamente ir sem pôr em causa a subsistência do Estado unitário e do valor constitucional que representam as autonomias regionais.”

Aníbal António Cavaco Silva. É uma incógnita o seu pensamento presidencial para as autonomias. Ainda que constitucionalmente enquadrada, não sabemos, até que ponto estenderá a sua magistratura de influência na promulgação de uma proposta de revisão do Estatuto Político-Aministrativo, que já se anunciou como reformadora, na aventada alteração da lei de finanças regionais ou na pedagogia nacional das autonomias. Tem pela sua frente um enorme desafio: a descoberta das autonomias como elemento material da democracia portuguesa. Ironicamente, neste contexto, serão, de novo, as palavras de Jorge Sampaio a estabelecerem os parâmetros: “perante o novo quadro são sempre possíveis duas atitudes: ou tomar a última revisão constitucional como mero apoio instrumental de um interminável processo de formulação de sucessivas novas reivindicações e propostas de alteração constitucional ou, ao invés, considerá-la como esforço derradeiro que sela de forma globalmente positiva um longo processo de evolução e maturação institucionais.” Para nós o caminho é claro. Tem agora a palavra o Senhor Presidente da República.

Na Madre de Deus.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Um homem superior. Bastas vezes se referenciaram o seu pensamento e a importância da sua magistratura. As entrevistas ao Dário Insular e à RTP/A, na semana passada, mostraram, para quem andava distraído, que o actual Ministro da República pensou o presente e o futuro dos Açores. Teve por sorte uma conjuntura de estabilidade democrática e um Presidente da República que compreendia bem as autonomias. À despedida deixou um conjunto de janelas e perspectivas que a maioria dos políticos regionais, ou não reconhecem, ou não se atrevem a tornar públicas. Perspectivou um 4.º movimento autonómico, sublinhou a importância da revisão estatutária, indicou a projecção externa como um devir a conquistar, adjectivou a Universidade dos Açores, pela produção de conhecimento, como o futuro elemento agregador da autonomia, incentivou a participação cívica, desmistificou o défice institucional democrático, alertou para o enquadramento dos menores em risco. Bem haja Dr. Laborinho Lúcio! A partir de agora só não percebe quem não quer, ou não sabe…

O Representante da República. Nasce ensombrada esta figura antes de ter um rosto. A precipitação de uns sublinhou a tese de que o rosto não seria uma questão de somenos. Desde logo, porque o Representante e a representação da República na Região — que, para além das tarefas e competências específicas que lhe são expressamente atribuídas na Constituição e no Estatuto da Autonomia -, pode ter à sua frente todo um vasto domínio de iniciativa, intervenção e influência política, cultural e social. Mas, mais que de sinecuras ou de protocolo, de que muito se tem falado, importa que o já anunciado enquadramento no Estatuto Político-Administrativo respeite a legitimidade democraticamente sufragada e o equilíbrio institucional interno representativos da evolução das autonomias na teoria geral do Estado. É que a espuma dos dias escondeu, mais uma vez, o porquê das coisas. Não é matéria inócua uma opção autonómica que encerre um «vice-rei», um «amanuense» ou um «agente da autonomia» na Madre de Deus. É a escolha formal por um modelo político de descentralização. O silêncio, até agora comprometido, ou menos responsável, pode ser substituído por um discurso que há vários anos importa lançar: esta «nossa» descentralização político-administrativa caminha para o federalismo dos ricos ou para uma autonomia dos pobres?

Sé, 6 de Março de 2006