domingo, abril 20, 2008

O FUTURO É HOJE

Mal ou bem, a verdade é que o sector público regional desempenha um papel muito activo no moldar do modelo de desenvolvimento dos Açores, procurando, por um lado, assegurar alguma coesão social e, por outro, apoiar o funcionamento de um mercado que está longe de viver em ambiente concorrencial. Deste modo, vê-se envolvido numa vasta gama de atribuições, que vão da educação, saúde e segurança social aos incentivos ao investimento, à protecção dos consumidores ou do ambiente.
Além disso, é dado certo, que, hoje, as administrações públicas modernas defrontando-se com as obrigações de eficiência, produtividade e qualidade dos seus serviços, têm de responder aos desafios com orçamentos inalterados ou reduzidos.
Neste contexto de escassez de recursos disponíveis, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) devem ajudar. Mas, ao contrário da publicidade, o centro das atenções deve ser, não as próprias TIC, mas a sua utilização em combinação com mudanças organizativas e novas qualificações com vista à melhoria dos serviços públicos, dos processos democráticos e das políticas públicas. É esta a vocação do Governo Electrónico (E-Gov).
Contudo, o desenvolvimento do verdadeiro E-Gov não é fácil. A oferta de serviços centrados nos cidadãos e a eliminação de processos burocratizados exigem a partilha de informação entre departamentos e entre diferentes níveis da administração (local, regional e nacional), o que, a maioria dos casos, implica profundas mudanças organizativas. Perante as resistências, é necessária coragem para repensar e alterar os modos de trabalho estabelecidos. Além disso, as TIC têm custos iniciais elevados que, normalmente, só são recuperados ao fim de algum tempo.
Podemos, no entanto, pressupor que, embora a tecnologia não possa transformar maus procedimentos em bons procedimentos, o E-Gov oferece, pelo menos, a possibilidade do sector público regional realizar as suas tarefas de modo diferente (fugindo a quadros impostos pela administração central), o que pode constituir mais uma alavanca para modernização e competitividade da economia e da sociedade açoriana.
Neste enquadramento, os cidadãos devem beneficiar de tempos de resposta cada vez mais curtos e de produtos e serviços de qualidade cada vez mais elevada. Os procedimentos labirínticos, as filas de espera, o fornecimento de informações já na posse da administração constituem práticas, absolutamente, criticáveis. Esperam-se, igualmente, serviços públicos mais conviviais, personalizados e adaptados às necessidades das pessoas e, de um modo geral, inclusivos, dado que devem servir todos os cidadãos, independentemente das suas qualificações e capacidades, rendimentos ou localização geográfica.
Por seu lado, as empresas esperam, com legitimidade, que os serviços públicos se apresentem mais baratos, e de melhor qualidade, para se poderem manter competitivas. Com a concorrência à escala global, as empresas exigem a eliminação de processos burocráticos. Convém lembrar que os governos são, também, responsáveis por muitos dos elementos que integram e encarecem os processos de produção.
Contudo o E-Gov, não se esgota nesta “Administração Electrónica”. A vertente da “Democracia Electrónica” é, igualmente, senão mais, prioritária. Tal como o resto da sociedade, o sector público enfrenta o desafio de responder aos novos paradigmas. A internet proporciona novas formas de participação na elaboração de políticas (a criação rápida de grupos de opinião em linha, consulta públicas em linha e, ainda, a recolha sistemática de contributos relativos às necessidades de assistência e aconselhamento dos cidadãos e das empresas). Quer isto dizer que as administrações públicas estão obrigadas a rever os seus métodos tradicionais de tomada de decisões. Além disso, os cidadãos e as empresas esperam que as entidades públicas se tornem mais responsáveis na gestão do dinheiro dos contribuintes.
Pede-se, então, maior participação democrática em todas as fases da elaboração de políticas públicas e maior transparência nas tomadas de decisões, mas só uma concepção integrada de Governo Electrónico (Administração Electrónica+Democracia Electrónica) permitirá que o sector público regional mantenha e reforce uma governação adequada à sociedade do conhecimento. Tal pressupõe: a) um sector público aberto e transparente; b) um sector público ao serviço de todos; c) um sector público produtivo que utiliza da melhor maneira o dinheiro dos contribuintes.
Em resumo, a criação de um sector público mais aberto, inclusivo e produtivo, em consonância com uma boa governação, é um pré-requisito de garantia, tornando-se fundamental, também nesta área, o desenho de uma estratégia política forte e linear para vencer resistências e obstáculos, mudar mentalidades, forçar mudanças organizativas, promover os investimentos e manter uma perspectiva de longo prazo, sem descurar as solicitações diárias. Este Futuro não é, pois, amanhã.

Sé, 15 de Abril de 2008

domingo, abril 06, 2008

A MÃO (IN)VISÍVEL

Isto é, da (im)possibilidade de uma sociedade portuguesa auto-regulada, uma vez que o famoso “laissez-faire, laissez aller, laissez passer” (deixai fazer, deixai ir, deixai passar) é para o mundo dos outros. Esta frase é atribuída ao comerciante Legendre, que teria respondido à pergunta de Colbert, ministro de Luís XIV, “O que é preciso fazer para Vos ajudar” com um simples “Deixar-nos fazer”. Daqui à tese de Adam Smith sobre a “mão invisível” é só um degrau. Smith acreditava que a natureza é o melhor guia do homem. Se os homens forem deixados livres para procurar seus próprios e legítimos interesses, agirão de modo a favorecer o melhor para a sociedade, tenham ou não essa intenção (a maioria não tem). Como a “mão invisível” cumpre a sua tarefa tão bem, concluiu que o Estado não se deve intrometer, já que "os próprios reis e ministros (governantes) são sempre, os maiores perdulários da sociedade." Em resumo, "laissez faire", ou, liberalismo clássico. Agora, como ponto de ordem, convém acrescentar que acredito, com Adam Smith, que o homem é levado, por uma “mão invisível”, a apoiar um objectivo que não fazia parte das suas intenções, mas esta “mão invisível”, longe do vazio de regras é uma ordem criada pela “autonomia ética do homem, onde se mistura a liberdade natural com a justiça perfeita” (na brilhante súmula de José Adelino Maltez). Ou seja, uma concepção da “mão invisível”, além dos quadros do liberalismo económico, assume-se como corrente político-filosófica que justifica, não só, os direitos e deveres dos cidadãos, entre si, mas destes para com o Estado e deste para com aqueles. Infelizmente, como mostra a experiência, o laissez faire não funciona tão bem em comunidades, ainda, em desenvolvimento, ou com uma tradição secular de intervencionismo público, seja no campo económico-financeiro seja a nível sócio-cultural. É, este, o caso português, em contínuo contra-ciclo com as experiências de desenvolvimento liderantes e de reconhecido sucesso, experimentando, cada vez mais, intervenções legislativas públicas, que se corporizam, a cada dia, por impossibilidade, ineficácia ou simples vazio de modelos de auto-regulação ou de regulação pública. Uma sociedade liberal baseia-se no «Government under Law», onde o vocábulo «law» não pode ser traduzido por «lei», e menos ainda pelo conceito corrente que ela tem, mas por «direito». Numa sociedade de homens livres, com tradições de liberdade, propriedade e mercado, o Estado seria, naturalmente, contido. Por isso, por cá, antes de servir como programa ou moção política de intervenção na esfera pública, qualquer projecto liberal, ou com inspirações ou ferramentas liberais, teria que ser uma pedagogia de formação de cidadãos que amem a liberdade. Onde estes não existam, nunca o Estado os conseguirá inventar. Será que Adam Smith seria capaz de doutrinar um estado de direito liberal que tem de recorrer ao Ministério Público para resolver a indisciplina nas escolas porque as relações de respeito e autoridade caíram em desuso? Que tem de proibir que se fume em espaços fechados ou punir, militantemente, o depósito de resíduos ou, ainda, baixar os valores proibidos da taxa de alcoolemia dos condutores porque o civismo falhou? Que tem de estabelecer regras nos piercings ou proibir a construção em leitos de cheia ou em falésias porque o bom senso falhou? Que tem de escrutinar a vida dos cidadãos cumpridores porque não controla os não cumpridores? Que faz apelos para medidas de controlo ao crédito excessivo já que a responsabilidade individual não é segura? Que tem de impor salários mínimos porque os patrões não querem pagar e incentiva a contratação de pessoas com necessidades especiais porque os empresários não têm consciência social? Que tem de formular programas de empreendedorismo porque não há cultura de risco, promover estágios a jovens, porque não há investimento estratégico no futuro e nas qualificações ou incentivos às explorações agrícolas com bom desempenho ambiental, porque os agricultores não se formam? Muitas vezes rio-me quando me lembram a existência de um perigosa deriva para um projecto neo-liberal ou, em contra-posição, lamentam um projecto liberal «agrilhoado», outras dá-me “vontade de chorar”. Mas logo passa…

Angra do Heroísmo, 31 de Março de 2008