domingo, março 08, 2009

A MÃO DO HOMEM

Muitos dos estudos contemporâneos sobre políticas públicas revelam que um dos vectores mais esquecidos na tomada de decisões públicas é o da verificação das consequências/impactos sociais e económicos a médio/longo prazo, seja porque, em algumas áreas, o estado das artes, ainda, não consegue fazer esse juízo de prognose, seja, porque os interesses políticos, ou públicos, do momento, condicionam determinantemente a opção do decisor.
Assim, ao longo dos anos, muitas das decisões tomadas no impulso da reacção, na ausência da análise, na omissão do planeamento ou na impreparação do contexto, têm-se revelado, no médio/longo prazo, gravosamente prejudiciais às nossas populações, seja exaurindo recursos financeiros na reposição de soluções integradas, seja hipotecando recursos naturais indispensáveis à sustentabilidade de novas vias de desenvolvimento.
A ciência política, que tem acompanhado mais estreitamente estas questões, tem identificado múltiplos conceitos e estratégias que se mostram indispensáveis à melhor implementação de políticas públicas: o empowerment (no sentido de ter acesso a toda a informação e recursos disponíveis para a melhor tomada de decisão), a participação (através da audição e envolvimento dos sujeitos directos ou indirectos da decisão), a accountability (a obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestarem contas a instâncias controladoras ou a seus representados) e a descentralização (enquanto transferência da capacidade decisória para níveis, públicos ou privados, mais próximos dos sujeitos da decisão).
Ora, para quem olha com desconfiança para a bondade dessas prosas, talvez seja de lembrar que, no fundo, o que estamos aqui a tratar são assuntos que a todos nos tocam, todos os dias, de forma directa ou indirecta. Como exemplos contemporâneos de amargas consequências de decisões impensadas ou deficientemente planeadas no passado, relembro que o ciclo da água esteve à beira de ser interrompido na Ilha Terceira, com as arroteias, na Caldeira Guilherme Moniz (zona crítica de infiltração de água), que começaram a ser realizadas, na segunda metade dos anos setenta do século XX, com o então Plano Pecuário dos Açores. Este “sonho” antigo, já do século XIX, visava arrotear e disponibilizar para a produção pecuária vastas zonas que estavam entregues à natureza e que se consideravam, com base no senso comum, desaproveitadas.
Outra situação pública, é a da eutrofização das lagoas na Região, que, por não ser um problema recente, nem exclusivo das lagoas açorianas, agrava a responsabilidade passada dos interveniente públicos e privados, já que a causa genérica, estando há muito identificada (afluxos excessivos de elementos nutritivos às águas paradas), foi, no nosso caso, potenciada pelas actividades produtivas instaladas nas bacias hidrográficas, através dos adubos que encharcaram as pastagens. E quem pensou que estava a proteger as populações através desse tipo de incentivo à produção pecuária, não viu mais longe, ou esqueceu ou não foi lembrado, dos impactos subsequentes nas reservas estratégicas de água, na protecção da avifauna ou no grave hipotecar das potencialidades turísticas da Região, todos eles bem mais penalizadores para o interesse público regional.
Finalmente, um caso que parece recorrente: no Centro de Saúde da cidade da Horta, foram mandadas retirar as telhas de fibrocimento, material que contém na sua composição entre 10% a 15% de amianto, por estar provado que são um risco para a saúde pública. Igualmente, foram mandadas retirar as telhas de fibrocimento da Escola Básica e Secundária de São Roque do Pico. No âmbito da I Jornada do Amianto, que decorreu em Maio em Lisboa, os especialistas sublinharam que estas coberturas apresentam um risco cancerígeno baixo mas que há situações mais preocupantes que se verificam na presença de amianto em material friável (maior facilidade de libertação das fibras) em canalizações, portas corta-fogo ou isolamento entre compartimentos.
Os Açorianos em geral, e os políticos e empresários em particular, não podem ignorar estes factos e os respectivos contextos. A lição parece cristalina: nenhum decisor deve ter legitimidade suficiente para atirar encargos, de tal monta, para o futuro!

Ponta Delgada, 04 de Março de 2009