domingo, abril 17, 2005

COM LICENÇA...

"Creio ser a altura de encetar o processo, naturalmente longo e difícil, da racionalização do sistema. Há que eliminar os factores de irracionalidade nas estruturas institucionais tanto públicas como privadas e caminhar, através da elaboração e da execução de um plano a longo prazo, para a racionalização da própria cultura da sociedade açoriana. A nossa sociedade insular, com efeito, está afectada de complexos estruturais que a inibem de evoluir para a actualização dos padrões culturais dos sectores mais importantes, como os da economia, do ensino, da saúde, da habitação, da comunicação social e dos transportes.É uma tarefa que ninguém fará por nós. Que os seus efeitos venham a ser induzidos como resultância e transferência da racionalização da sociedade continental portuguesa é uma previsão sem claros fundamentos.Esta é a hora da reflexão, da avaliação, da correcção e da inovação. Ainda estamos a tempo de repensar o processo em curso e fazê-lo avançar para a institucionalização da mudança em crescimento, através dos mecanismos da inovação científica e tecnológica em cadeia e da auto-renovação dos quadros, com as consequentes sequelas nas estruturas sociais e nos padrões de cultura.”

Professor José Enes “O 25 de Abril e a Autonomia dos Açores”, Conferência de 25 de Abril de 1984, in Açorianidade e Autonomia, pag. 193 -194.

Os Açorianos deixaram de pensar? Ou de SE pensar? O ruído produzido pela sociedade moderna não permite uma efectiva «inscrição» do pensamento prospectivo da colectividade no processo decisório regional? Onde pára o «nateiro insular» de que Nemésio falava? Porque, desde 1976, à ideia mãe de autonomia apenas se acoplaram adjectivos que a diminuíram, não se conseguiu fazer evoluir o conceito de desenvolvimento harmónico para desenvolvimento integrado, ao cunho de ultraperiferia não se contrapôs a certeza da centralidade?Estas questões assaltam-me perante uma revisão da lei eleitoral «minimalista» que pronuncia uma revisão do Estatuto Político-Administrativo distanciada da dinâmica e do pensamento regional, e que, por isso, dificilmente, permitirá a consagração das orientações que a Região e a Autonomia no séc. XXI obrigariam.Passados que estão 25 anos da entrada em vigor do Estatuto definitivo da Região (5 de Agosto de 1980), uma celebração condigna da data (ao contrário do que aconteceu na «envergonhada» celebração dos 25 anos da Autonomia constitucional) exige de todos nós um esforço que terá de passar pela discussão das incontornáveis futuras perspectivas políticas regionais, a saber:

- Os níveis de solidariedade nacional exigíveis ao modelo de autonomia vigente;

- O relacionamento institucional entre órgãos de soberania e órgãos de governo próprio;

-A dimensão e perspectivação das relações externas da Região;

-A redefinição dos níveis de intervenção da administração regional autónoma na vida colectiva regional e consequente reavaliação e reestruturação administrativa;

-O Estatuto dos cargos políticos da Região.

Nota final: para quando a promoção pela Assembleia Legislativa de bolsas de estudo ou a criação de um Centro de Estudos Autonómicos (Fundação Aristides Moreira da Mota)?Desculpem a maçada mas, a não ser assim, outros (vide, Congresso da Cidadania) continuarão a fazer o nosso trabalho…

domingo, abril 03, 2005

A ESTANTE NA :ILHAS #16

Ama como a estrada começa
Pena Capital,
Mário Cesariny.
Assírio&Alvim, 1999

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras…
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

Poesias,
Mário de Sá-Carneiro. Ática, 1998

Mais alto que o Coração, a Cabeça.
Mas mais alto que a Cabeça, o Coração.

Investigações. Novalis,
Gonçalo M. Tavares.
Difel, 2002

Porque eu te amo, ó deus, mesmo que não
existas, peço-te que em cada primavera voltem
a florescer as palavras. Preciso delas para
cantar o sorriso da amada; e para manter o fogo
que arde na mansidão dos seus lábios, quando
a tarde traz um cansaço de sentimentos.

Cartografia de Emoções,
Nuno Júdice
Publicações Dom Quixote, 2001

José olha o sol de frente e pensa. Pensa na mulher e no que o diabo lhe disse na venda sobre ela. E pensa no dia em que as cigarras se calarão na planície e os ramos mais finos dos sobreiros e das oliveiras se tornarão pedra. Trinta anos mais tarde, José filho de José, olha o sol de frente e pensa. Pensa na mulher do primo e no que o diabo anda a dizer ao primo na venda sobre eles. E pensa no instante em que nada restará, nem mesmo o silêncio que fazem todas as coisas ao olhar-nos.
Nenhum Olhar,
José Luís Peixoto.
Temas&Debates, 2000

Foi quando li palavras que não sentira ter escrito, num papel que não sabia ter procurado.
“Sinais de fogo, os homens se despedem,
exaustos e tranquilos, destas cinzas frias,
lançando ao mar os barcos de outra vida.”

Sinais de Fogo,
Jorge de Sena.
Público, 2003

(Os anos passarão. Os canteiros hão-de gerar um outro buxo. Outros pássaros virão cantar nos ramos altos do pinheiro manso e dos plátanos. A tia morrerá. E a casa e o jardim, a própria vila, suas rotinas, seus ritmos e seus ecos. Não ficará senão a tua voz na tarde calma. Olá, disseste. E a terra começou a tremer.)
A Terceira Rosa,
Manuel Alegre.
Publicações Dom Quixote, 1998

O que há de novo no mundo contemporâneo não é o facto nem mesmo o grau de inumanidade que a persistência da fome, da doença, da total exclusão de milhões de homens de um mínimo de dignidade ou até da hipótese de sobrevivência revela, mas a constatação de que esse fenómeno coexiste com o espectáculo de uma civilização aparentemente dotada de todos os meios, de todos os poderes, para a abolir.
O Esplendor do Caos,
Eduardo Lourenço.
Gradiva, 2002