CRIATIVIDADE
Pois é, voltamos ao mesmo. Mais um debate que está por fazer, mais uma entrevista que traz um alerta mas não adianta soluções. Agora a justiça, ou melhor, a organização judiciária na Região. Na verdade, este tema não é fácil, nem é novo, mas, se nem o Sr. Juiz Conselheiro Carlos Oliveira consegue apontar caminhos, que esperar do comum dos mortais? As edições do Diário Insular de dias 17 e 18 p.p. são paradigmáticas. Conseguem colocar todos os partidos com assento parlamentar a aplaudir uma evidência mas nenhum a formular hipóteses. E não o fazem porque não o sabem nem têm obrigação de o saber. Em bom rigor, não devem ser os partidos a pensarem este tipo de causas ou a debaterem alternativas técnicas para um modelo judiciário nos Açores. Nesta, como noutras áreas, os partidos deveriam ser os receptáculos de um labor prévio. Não havendo, na Região, um Instituto Autonómico, como o da Catalunha, que produza pensamento político-filosófico sobre as autonomias, a responsabilidade pelo vazio doutrinário vai direitinha para a Universidade dos Açores ou para a “sociedade civil” que, na sua generalidade, se entretêm com a mise en céne e esquecem o debate das ideias. Resta-nos a comunicação social, alguma, com o risco que isso pode comportar. Por mim, confessando a minha fraqueza de pensamento, a «talho de foice», lanço para a mesa algumas considerações.
O artigo 9.º do nosso Estatuto Político-Administrativo (Organização judiciária) tem causado «espécie» a alguns e esperança a outros. Mas, dizer que «A organização judiciária terá em consideração as especificidades e necessidades próprias da Região» redunda no maniqueísmo do costume: ou, que o preceito não parece justificar que a organização judiciária nacional deva comportar diferenciações, ao nível organizacional, nos tribunais na Região, uma vez que a organização judiciária é já de si descentralizada, ou, que a regionalização da administração da justiça tarda em avançar. Como nos parece redutor entregar este debate às questões das competências administrativas, ou de gestão, respeitantes aos edifícios, instalações e seu funcionamento, obras de conservação e reparação, acompanhamento e promoção de recrutamento de pessoal, etc, olhemos além do umbigo.
O artigo 152.º da Constituição Espanhola não deixa dúvidas quanto à relação das Comunidades Autónomas com o poder judicial. Não nos encontramos perante uma relação orgânica mas territorial. A tese é de que a participação das regiões espanholas na organização das demarcações judiciárias do correspondente território é totalmente correcta, porque pressupõe que a distribuição dos julgados e tribunais de uma comunidade autónoma deva por esta ser feita, porque é esta a que melhor conhece as necessidades imediatas quanto à quantidade de assuntos e contenciosos em cada uma das partes do seu território.
Contudo, por cá, a margem criativa parece escassa. Primeiramente, porque, ao contrário de Espanha, a nossa Constituição não introduziu uma disposição que torna esse assunto mais acessível às atribuições regionais. Depois, porque é essencial que esta «tensão» salvaguarde os princípios da independência e unidade do poder judicial.
Mas, se o nosso Estatuto não pode, por ora, estabelecer as linhas gerais das competências dos tribunais na Região, ao menos, deveria estabelecer as condições e formas da participação dos órgãos de governo próprio na definição da divisão judicial do território regional bem como nas linhas gerais da sua organização.
Além disso, a proclamação da unidade e independência da judicial não pode ser considerada como uma impossibilidade para uma assumpção estatutária de diversidades judiciárias. Vejamos a existência de uma bolsa regional de magistrados e funcionários que possa cobrir as vacaturas, a regionalização dos registos e notariado, vejamos a criação de figuras como o provedor para a região ou o defensor público, ou de tribunais itinerantes como um de 2.ª instância com competência genérica (abarcando a área judicial e administrativa) ou, como lembrou Laborinho Lúcio, um de família e menores.
A finalizar, devo esclarecer que, sem prejuízo do debate futuro, acho imprescindível que qualquer iniciativa nesta matéria não possa ignorar, como questões prévias, quer as responsabilidades constitucionais da administração central no estado da justiça na Região, quer o diagnóstico actualizado dessa realidade. É por isso, que, aos meus olhos, continua a constituir um mistério que o relatório da autoria do Sr. Ministro da República, ainda não tenha merecido a atenção, os debates e os desenvolvimentos devidos na casa-mãe da autonomia.
Sé, 19 de Março de 2006
O artigo 9.º do nosso Estatuto Político-Administrativo (Organização judiciária) tem causado «espécie» a alguns e esperança a outros. Mas, dizer que «A organização judiciária terá em consideração as especificidades e necessidades próprias da Região» redunda no maniqueísmo do costume: ou, que o preceito não parece justificar que a organização judiciária nacional deva comportar diferenciações, ao nível organizacional, nos tribunais na Região, uma vez que a organização judiciária é já de si descentralizada, ou, que a regionalização da administração da justiça tarda em avançar. Como nos parece redutor entregar este debate às questões das competências administrativas, ou de gestão, respeitantes aos edifícios, instalações e seu funcionamento, obras de conservação e reparação, acompanhamento e promoção de recrutamento de pessoal, etc, olhemos além do umbigo.
O artigo 152.º da Constituição Espanhola não deixa dúvidas quanto à relação das Comunidades Autónomas com o poder judicial. Não nos encontramos perante uma relação orgânica mas territorial. A tese é de que a participação das regiões espanholas na organização das demarcações judiciárias do correspondente território é totalmente correcta, porque pressupõe que a distribuição dos julgados e tribunais de uma comunidade autónoma deva por esta ser feita, porque é esta a que melhor conhece as necessidades imediatas quanto à quantidade de assuntos e contenciosos em cada uma das partes do seu território.
Contudo, por cá, a margem criativa parece escassa. Primeiramente, porque, ao contrário de Espanha, a nossa Constituição não introduziu uma disposição que torna esse assunto mais acessível às atribuições regionais. Depois, porque é essencial que esta «tensão» salvaguarde os princípios da independência e unidade do poder judicial.
Mas, se o nosso Estatuto não pode, por ora, estabelecer as linhas gerais das competências dos tribunais na Região, ao menos, deveria estabelecer as condições e formas da participação dos órgãos de governo próprio na definição da divisão judicial do território regional bem como nas linhas gerais da sua organização.
Além disso, a proclamação da unidade e independência da judicial não pode ser considerada como uma impossibilidade para uma assumpção estatutária de diversidades judiciárias. Vejamos a existência de uma bolsa regional de magistrados e funcionários que possa cobrir as vacaturas, a regionalização dos registos e notariado, vejamos a criação de figuras como o provedor para a região ou o defensor público, ou de tribunais itinerantes como um de 2.ª instância com competência genérica (abarcando a área judicial e administrativa) ou, como lembrou Laborinho Lúcio, um de família e menores.
A finalizar, devo esclarecer que, sem prejuízo do debate futuro, acho imprescindível que qualquer iniciativa nesta matéria não possa ignorar, como questões prévias, quer as responsabilidades constitucionais da administração central no estado da justiça na Região, quer o diagnóstico actualizado dessa realidade. É por isso, que, aos meus olhos, continua a constituir um mistério que o relatório da autoria do Sr. Ministro da República, ainda não tenha merecido a atenção, os debates e os desenvolvimentos devidos na casa-mãe da autonomia.
Sé, 19 de Março de 2006
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