domingo, julho 22, 2007

OUSAR É PRECISO

Permitam-me o abuso do clássico: Ousar ou não ousar, eis a questão. Qualquer reflexão sobre as motivações que fundam os movimentos históricos, geralmente, conclui que sem voluntas não há audácia que materialize a ruptura. Se dos fracos não reza a História, um povo que viva, constantemente, preso pelo preconceito que cataloga os audazes como “desalinhados” e os temerários como “estrategas” cerceia o presente e hipoteca o futuro.
Este intróito, aparentemente encriptado, deve-se a uma primeira apreciação à recentemente publicitada proposta de reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região (*), resultado de um trabalho de três anos em consenso partidário. Numa visão que procure destacar mais o que lá não está e que poderia ter estado do que o que lá está menos bem, fugindo ao primor das fórmulas técnicas, procurando cingir-nos ao campo do politica e constitucionalmente disponível no instante da opção, conclui-se, de a) a z), en vol d’oiseau, que a Comissão Eventual responsável pela proposta de reforma poderia ter ousado:
a) Assumindo que além dos órgãos de governo próprio existem entes que devem integrar o sistema institucional político regional;
b) Estabelecendo a possibilidade de candidaturas de independentes à Assembleia Legislativa;
c) Prevendo um sistema com listas abertas cuja ordem de mérito seria estabelecida pelo eleitorado;
d) Consagrando um regime de paridade de género (50% homens, 50% mulheres) nas listas eleitorais;
e) Não remetendo, de novo, na generalidade o estatuto dos cargos políticos da Região para o sistema nacional;
f) Estabelecendo um sistema remuneratório diferenciado a nível regional para os cargos políticos fundado no vencimento de origem;
g) Clarificando o sistema de substituições e de faltas durante os mandatos;
h) Retirando o exclusivo das sessões plenárias da cidade da Horta;
i) Obrigando a, pelo menos, 11 sessões plenárias por ano;
j) Concretizando uma estrutura mista de colaboração e cooperação entre a Região e o Estado e definindo as respectivas áreas de actuação;
k) Clarificando quais são as zonas em que existem deveres do Estado para com a Região e as formas para a sua concretização;
l) Garantindo a representatividade da Região no círculo eleitoral para o Parlamento Europeu;
m) Estabelecendo a possibilidade de representação externa da Região e de representação do Estado português através da Região nos órgãos decisórios comunitários;
n) Indo mais além em matéria de justiça do que o tribunal de 2.ª instância, nomeadamente em matéria de jurisdição graciosa e de itinerância judicial;
o) Definindo um novo enquadramento e um novo desenho para a administração territorial da Região ultrapassando o maniqueísmo município/freguesia;
p) Propondo reduzir o número de autarquias locais da Região no prazo de 5 anos;
q) Tornando os órgãos de governo próprio os únicos responsáveis pela transferência de competências e pela transferências financeiras para as autarquias locais da Região;
r) Dando novo enquadramento ao regime fiscal regional na parte que excede o que deve estar previsto na lei de finanças regionais;
s) Definindo as áreas prioritárias para a criação de entidades independentes;
t) Salvaguardando o enquadramento de uma administração regional autónoma independente da administração pública central na parte que possa ser totalmente desenvolvida pela Região;
u) Assumindo que todo o território da Região, especialmente o mar e os seus fundos, é da exclusiva responsabilidade dos órgãos de governo próprio;
v) Garantindo que todo o património público é da Região podendo, apenas, estar afecto a funções de soberania;
w) Clarificando o regime do domínio público regional na parte que deve estar prevista em forma de lei da Assembleia da República;
x) Prevendo um prazo para que se transfira um novo bloco de competências do Estado para os órgãos de governo próprio, bem como para a regionalização dos respectivos serviços na Região;
y) Prevendo, desde já, um grupo misto que proceda ao levantamento do património do Estado no arquipélago e à sua transferência para a Região no prazo de 1 ano;
z) Reencontrando-se com a História e consagrando como feriado regional, e dia da Autonomia, o dia 2 de Março.

Até Outubro, prazo previsto para aprovação do Projecto a ser enviado à Assembleia da República, o lema para a participação deverá ser: Ousar é preciso, viver é preciso! Uma sociedade que não ousa não existe. A construção de momentos de ruptura e de crescimento deve fundar-se no conhecimento e na vontade. O desconhecimento serve o status quo. O conhecimento com audácia serve o futuro.

(*)http://www.alra.pt/apjleparaa1.pdf

domingo, julho 08, 2007

OBJECTIVO: EUROPA


"A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar 'sfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal
."
Fernando Pessoa, In Mensagem - I - Os Campos - Primeiro - O dos Castelos

Pessoa não poderia adivinhar. À terceira vai ser de vez. Damos nome ao Tratado da União Europeia depois de lhe ter dado uma Estratégia. Portugal no grupo dos pequenos? Pensavam vocês eurocépticos! Não importa que o rosto da Europa já não olhe o Ocidente (mesmo querendo o Brasil, mesmo abraçando África e o Atlântico). Agora, o rosto que fita está mandatado para olhar o umbigo. E que lindo é! Também, olha, por cima do ombro, em direcção a Oriente (o medo obriga). O rosto da Europa carrega o peso do meirinho na transcrição da sentença. O rosto com 800 anos de História reservou-se ao papel de manga de alpaca. Resta-lhe aparecer aprumado, fresco, moderno até. Tecnológico, sobretudo. E o Tratado (reformado, reformador, menos mini e mais maxi, mas, hélas, não constitucional) será tratado (redundância propositada) com polé. Não se agitem, sosseguem concidadãos europeístas convictos (ou mesmo os nem por isso), o objectivo fixado de “uma economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, capaz de um crescimento económico sustentável e de uma melhoria qualitativa e quantitativa nas políticas de emprego e de coesão social” (Lisboa – a outra - a estratégica), fica mais próximo. Falemos de flexisegurança, de concorrência, de dumping social, de combate a políticas neo-liberais. Falemos de eurocracia. Não falemos de soberania, de unanimidades, maiorias qualificadas e maiorias simples. Não falemos de Presidentes, dos altos, ou baixos, comissários ou do opting-out. Não falemos da Turquia. Não falemos do medo (outro e mais profundo) que o cidadão sente e das dúvidas que o assaltam de que a União continue a não estar preparada para os desafios da globalização e seja capaz de prosseguir políticas que obtenham resultados que se façam sentir na vida quotidiana. Falemos das bandeiras e dos hinos que não foram. Não falemos da desconfiança. Não falemos de aprofundar fórmulas de cidadania europeia. Não falemos da participação e do esclarecimento. Ainda não falemos do referendo. Não falemos de política. Não falemos de democracia. Não falemos da Europa. Não falemos, não importa, o Tratado será de…Lisboa! E, isso, pelo menos, garantem-me, já não nos poderão tirar (cruzes, canhoto!).

Sé, 2 de Julho de 2007