domingo, setembro 30, 2007

O SEGUNDO SEXO

Roubo o título à obra de Simone de Beauvoir (1) que há 60 anos, com a nova Constituição francesa, já profetizava o fim da dominação inerente à condição feminina: «De modo geral, ganhámos o jogo». Mas, como todos nós sabemos, o jogo ganha-se no terreno. Anos depois, ainda no campo das palavras, no preâmbulo da Declaração de 1993, a ONU proclama a urgência da aplicação às mulheres dos direitos e princípios do género humano: segurança, integridade, liberdade, dignidade e igualdade. Foram estas palavras a inspiração para o Livro Negro da Condição Feminina (2) um documento que não pode deixar de inquietar o mais cómodo cidadão. A questão da igualdade entre homens e mulheres, em especial a da participação política, não é, para mim, nova. Infelizmente, o desafio que deixei há cerca de 3 anos, nestas páginas (3) - mais mulheres com poder político, deliberativo e executivo na Região -, permanece ignorado. No terreno, em 2005, as mulheres representavam, apenas, cerca de 16% das parlamentares do mundo inteiro e 4,2% das mais altas funções de Estado ou de Governo (4) (na Região, neste momento, os números são, respectivamente, 19,2% e 8,3%). Não é uma fatalidade que o impulso para a mudança tenha de ser exterior, a pró-actividade é sempre o melhor caminho. Contudo, 2008 é já ali. Voltemos, pois, às palavras. No relatório, de 2005, dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio conclui-se que «a participação plena e completa das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão é um direito humano fundamental». Mais, o Roteiro para a igualdade entre homens e mulheres (5) define seis áreas de intervenção prioritárias da União Europeia em matéria de igualdade entre homens e mulheres para o período 2006-2010: independência económica; conciliação da vida profissional e familiar; representação equitativa na tomada de decisões; erradicação de todas as formas de violência em razão do sexo; eliminação dos estereótipos de género; e promoção da igualdade entre homens e mulheres nas políticas externa e de desenvolvimento. Na questão da participação feminina na política a Comissão Europeia é muito clara em considerar que “A persistente subrepresentação feminina na tomada de decisão política constitui um défice democrático” além disso “A igualdade entre homens e mulheres só pode ser uma realidade com um compromisso claro ao mais alto nível político”. Quem, até hoje, não entendeu o alcance de todas estas frases escusava ter lido este artigo.

(1) O Segundo Sexo, Vol. I e II. Ed. Bertrand, 1987
(2) Ed. Temas e Debates, 2007
(3) Disparidades, 12 de Setembro de 2004
(4) Dados actualizados em http://www.ipu.org/wmn-e/world.htm
(5)COM(2006) 92 final


Sé, 25 de Setembro de 2007

domingo, setembro 02, 2007

ASSOCIATIVISMOZINHOS…

«Associativismo para a propositura». Há meia dúzia de meses (18 de Fevereiro), em artigo de opinião referente à abstenção no referendo europeu, utilizei este conceito para sublinhar a necessidade da sociedade contemporânea conter movimentos de cidadania política que se procurem inscrever na realidade colectiva, pela informação, questionamento, propositura e contra-propositura. Esta referência surge como o outro lado do espelho do «associativismo instantâneo», ou de não-inscrição, para consumo imediato e interno de necessidades colectivas menores, como de lazer ou entretenimento, ou para gestão de interesses particulares ou de castas perfeitamente identificáveis. Não é novidade ouvir que os Açores apresentam das mais altas taxas de associativismo no panorama nacional. Brilhante. Mas também não será novidade saber que a Região apresenta as mais baixas taxas de participação política. Horripilante. O que causa essa desconformidade? A resposta, quanto a mim, estará nos conceitos acima identificados. A opção azórica tem sido pelo associativismo instantâneo, ou de não comprometimento, no espaço público. Associativismo financiável e financiado. Quem perde? Todos nós.
Se os cidadãos e os intelectuais têm alguma função orgânica, é a de obreiros da democracia possível (1). A cidadania, e o exercício de cidadania por associações, tem de ser uma participação quotidiana e alargada, tal como a democracia deve ser todos os dias aperfeiçoada. Cidadania não é só fonte de privilégios, também, é fundamento de obrigações cívicas. Por isso é que educar para a cidadania activa deve ser uma das prioridades programáticas de qualquer bom Governo. Falamos já não tanto da republicana dedicação à colectividade e ao Estado mas de responsabilidade na construção do futuro. As democracias e as sociedades evoluídas, educam em defesa própria já dizia Aristóteles.
Vem, agora, esta teorização, a propósito de ter ficado, praticamente, deserta a consulta pública ao Plano Estratégico de Gestão de Resíduos nos Açores. Parece que SÓ três açorianos consultaram um dos documentos mais importantes para o futuro ambiental da Região (notícia RDP/A). Este chocante acordar para o estado do exercício da cidadania regional deve fazer pensar os adeptos da democracia participativa, entre os quais me incluo. E digo pensar no sentido de redefinir estratégias. Se é óbvio que o sistema de deliberações administrativas, em circuito fechado, está longe de ser o ideal, a simples disponibilização de fórmulas de participação popular não se justifica em si mesma. Mais uma vez, numa sociedade hiper-comodista e acomodada, o incentivo à participação deverá, obrigatoriamente, passar, não só, pelos apelos na comunicação social, mas também, pelo esclarecimento rua a rua, e em algumas situações, porta a porta. Um papel do Estado. Um papel, sobretudo, para as associações.
A falta de conhecimento e a não informação são duas faces da mesma moeda: a cidadania incompleta ou diminuída, ou seja, mulheres e homens menos livres. Acompanhamos Roberto Carneiro no prefácio do, obrigatório, “Cidadania: Uma visão para Portugal” (2): a generalização de um discurso de cidadania – ainda que por vezes inconsequente – é uma prova de que, independentemente do quadrante ideológico de cada um, “o vazio não aproveita ao funcionamento estável da sociedade” e como, vezes sem conta, já, aqui, afirmamos “o maior terror que nos deve preocupar do ponto de vista cívico é a ignorância”.

(1) Miguel Veiga, Cidadania e Sociedade de Valores. In, Congresso da Cidadania, 2005
(2) Ed. Gradiva e Instituto Humanismo e Desenvolvimento, 2007

Sé, 28 de Agosto de 2007