sexta-feira, julho 27, 2012

UMA ÓPERA BUFA

A mistificação mediática com que o PSD/Açores tem tratado uma matéria fundamental para o nosso futuro, como os transportes aéreos e marítimos, na impossibilidade pública de uma justa qualificação política, remete-me para o campo das artes cénicas. Berta Cabral é líder do PSD/Açores desde Janeiro de 2009. No seu longuíssimo currículo, de 30 anos em funções políticas, destacam-se, para o que aqui nos releva, o cargo de Directora Regional dos Transportes, de Presidente do Conselho de Administração da SATA e de Secretária Regional das Finanças. Do período, em que teve responsabilidades directas, ou que pôde influir decisivamente, na evolução do sector, o que nos ficou dos transportes marítimos foi a sua extinção, e dos transportes aéreos a sua pré-insolvência, temperada, anualmente, com aumentos das tarifas na ordem dos 10%.
Entre longos silêncios, como que à espera de uma luz do Divino, o PSD/Açores sob a sua liderança mascara o pesado legado e decide, num errático argumento, cavalgar todos os descontentamentos e demagogias da praça pública, chegando ao cúmulo de, no espaço de poucos meses, fazer juras a Deus e ao Diabo.
Começaram nas Low Cost. A 6 de Janeiro de 2010, afirmava Berta Cabral “É preciso deixar que as ilhas que têm condições para receber companhias low-cost as possam receber e potenciar através disso o turismo dessas ilhas”.
Já a 17 Outubro 2011, questionada sobre se o seu modelo aponta para a manutenção das cinco portas de entrada tergiversa “Essa questão tem de ser bem estudada no seu conjunto, não vou estar aqui a dar opiniões avulsas sobre cinco, sobre três sobre quatro. Pode fazer todo o sentido e até pode ser que se façam opções diferentes.” Inacreditável!
Depois nunca mais parou! A 13 de Janeiro do corrente, afirma ter proposto ao presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, a criação de um programa POSEI para os transportes que permita reduzir o preço das passagens aéreas “uma ideia inovadora”, afirmou Berta Cabral, como se não fosse público que o Governo dos Açores vem trabalhando formal e politicamente a mesma ideia, desde 2010, junto das RUP e das instituições europeias.
A 15 de Fevereiro, ajusta a mira e “temos de acertar as nossas estratégias em função das novas realidades e mais do que low-cost, os Açores precisam de tarifas mais baratas” mas, reafirmando a necessidade do POSEI para os transportes, já diz que “vai ser um caminho longo e duro”.
A 13 de Março, na apresentação da candidatura já “é uma prioridade absoluta um modelo agilizado que defenda os passageiros, residentes e não residentes, por via da fixação de uma tarifa de teto máximo”.
A 15 de Abril, em pleno discurso de encerramento do congresso partidário, garante que “1% do orçamento regional será alocado ao abaixamento das passagens”. 12Milhões a menos para o Governo da República de Passos Coelho!
Mas, três dias depois, a 18 de Abril, quando perguntada se realmente pode concretizar essa promessa, já tem menos certezas “isso vai decorrer das negociações e da possibilidade dos fundos disponíveis para esse efeito. Eu neste momento preferiria não estar a apontar um número porque se apontar agora pode ser muito ou pode ser pouco”.
A 16 de Maio, afirma peremptoriamente que a proposta do Governo Regional para alterar as obrigações de serviço público nas ligações aéreas entre os Açores e o continente, com tarifas a menos 40%, “não merece confiança e engana os açorianos”.
A 21 de Junho, o POSEI Transportes volta a ser “um desígnio” e a 29 Junho é "urgente criar condições do ponto de vista legal para permitir a operação de aviões cargueiros”, como se a proposta do Governo dos Açores entregue em Lisboa não resolvesse essa questão.
A 10 de Julho, “os aeroportos dos Açores têm de fazer parte do pacote de privatização” da ANA, que “deve garantir os seus custos de funcionamento e de investimento”, mas um ano antes, a 8 de Julho de 2011, o Grupo Parlamentar do PSD/A votou contra uma Resolução com o mesmo teor, quiçá porque, a 9 de Maio desse ano, a sua líder se havia comprometido “a aprofundar as competências das regiões autónomas, por exemplo, na gestão dos aeroportos na sequência da privatização da ANA”.
Como se tal não bastasse, no passado 11 de Julho, surge o clímax desta comédia quando, no âmbito das conferências promovidas pelos sociais-democratas, o ex-Presidente do Conselho de Administração da SATA, de uma penada, desmontou em directo e ao vivo todo o argumentário que a líder do PSD/Açores andou a encenar. Pior era impossível!
Na verdade, o modelo apresentado não só se assemelha como assenta em todos os pressupostos que o Governo dos Açores vem defendendo desde Agosto do ano passado junto do Governo da República: 1) não onerar mais o erário público (Berta Cabral defende o desvio de 12Milhões do orçamento regional); 2) flexibilizar o modelo das OSP contra o fantasma da low cost (Berta Cabral já defendeu as low cost); 3) criar uma tarifa especial para residente, com tecto máximo e posterior entrega do subsídio ao passageiro, numa redução em cerca de 40% do valor actual (exactamente o proposto pelo Governo dos Açores).
Esta lição de sapiência a Berta Cabral e aos seus seguidores foi cruel, tal como o outro lado do palco, aquele que interessa aos Açorianos, é demasiado sério para que alguém, com consciência, o possa ignorar. Nesta, como noutras matérias, a falta de memória de alguns será, sempre, avivada pela verdade.

Publicado no Diário Insular e no Jornal do Pico