domingo, abril 06, 2008

A MÃO (IN)VISÍVEL

Isto é, da (im)possibilidade de uma sociedade portuguesa auto-regulada, uma vez que o famoso “laissez-faire, laissez aller, laissez passer” (deixai fazer, deixai ir, deixai passar) é para o mundo dos outros. Esta frase é atribuída ao comerciante Legendre, que teria respondido à pergunta de Colbert, ministro de Luís XIV, “O que é preciso fazer para Vos ajudar” com um simples “Deixar-nos fazer”. Daqui à tese de Adam Smith sobre a “mão invisível” é só um degrau. Smith acreditava que a natureza é o melhor guia do homem. Se os homens forem deixados livres para procurar seus próprios e legítimos interesses, agirão de modo a favorecer o melhor para a sociedade, tenham ou não essa intenção (a maioria não tem). Como a “mão invisível” cumpre a sua tarefa tão bem, concluiu que o Estado não se deve intrometer, já que "os próprios reis e ministros (governantes) são sempre, os maiores perdulários da sociedade." Em resumo, "laissez faire", ou, liberalismo clássico. Agora, como ponto de ordem, convém acrescentar que acredito, com Adam Smith, que o homem é levado, por uma “mão invisível”, a apoiar um objectivo que não fazia parte das suas intenções, mas esta “mão invisível”, longe do vazio de regras é uma ordem criada pela “autonomia ética do homem, onde se mistura a liberdade natural com a justiça perfeita” (na brilhante súmula de José Adelino Maltez). Ou seja, uma concepção da “mão invisível”, além dos quadros do liberalismo económico, assume-se como corrente político-filosófica que justifica, não só, os direitos e deveres dos cidadãos, entre si, mas destes para com o Estado e deste para com aqueles. Infelizmente, como mostra a experiência, o laissez faire não funciona tão bem em comunidades, ainda, em desenvolvimento, ou com uma tradição secular de intervencionismo público, seja no campo económico-financeiro seja a nível sócio-cultural. É, este, o caso português, em contínuo contra-ciclo com as experiências de desenvolvimento liderantes e de reconhecido sucesso, experimentando, cada vez mais, intervenções legislativas públicas, que se corporizam, a cada dia, por impossibilidade, ineficácia ou simples vazio de modelos de auto-regulação ou de regulação pública. Uma sociedade liberal baseia-se no «Government under Law», onde o vocábulo «law» não pode ser traduzido por «lei», e menos ainda pelo conceito corrente que ela tem, mas por «direito». Numa sociedade de homens livres, com tradições de liberdade, propriedade e mercado, o Estado seria, naturalmente, contido. Por isso, por cá, antes de servir como programa ou moção política de intervenção na esfera pública, qualquer projecto liberal, ou com inspirações ou ferramentas liberais, teria que ser uma pedagogia de formação de cidadãos que amem a liberdade. Onde estes não existam, nunca o Estado os conseguirá inventar. Será que Adam Smith seria capaz de doutrinar um estado de direito liberal que tem de recorrer ao Ministério Público para resolver a indisciplina nas escolas porque as relações de respeito e autoridade caíram em desuso? Que tem de proibir que se fume em espaços fechados ou punir, militantemente, o depósito de resíduos ou, ainda, baixar os valores proibidos da taxa de alcoolemia dos condutores porque o civismo falhou? Que tem de estabelecer regras nos piercings ou proibir a construção em leitos de cheia ou em falésias porque o bom senso falhou? Que tem de escrutinar a vida dos cidadãos cumpridores porque não controla os não cumpridores? Que faz apelos para medidas de controlo ao crédito excessivo já que a responsabilidade individual não é segura? Que tem de impor salários mínimos porque os patrões não querem pagar e incentiva a contratação de pessoas com necessidades especiais porque os empresários não têm consciência social? Que tem de formular programas de empreendedorismo porque não há cultura de risco, promover estágios a jovens, porque não há investimento estratégico no futuro e nas qualificações ou incentivos às explorações agrícolas com bom desempenho ambiental, porque os agricultores não se formam? Muitas vezes rio-me quando me lembram a existência de um perigosa deriva para um projecto neo-liberal ou, em contra-posição, lamentam um projecto liberal «agrilhoado», outras dá-me “vontade de chorar”. Mas logo passa…

Angra do Heroísmo, 31 de Março de 2008