domingo, setembro 02, 2007

ASSOCIATIVISMOZINHOS…

«Associativismo para a propositura». Há meia dúzia de meses (18 de Fevereiro), em artigo de opinião referente à abstenção no referendo europeu, utilizei este conceito para sublinhar a necessidade da sociedade contemporânea conter movimentos de cidadania política que se procurem inscrever na realidade colectiva, pela informação, questionamento, propositura e contra-propositura. Esta referência surge como o outro lado do espelho do «associativismo instantâneo», ou de não-inscrição, para consumo imediato e interno de necessidades colectivas menores, como de lazer ou entretenimento, ou para gestão de interesses particulares ou de castas perfeitamente identificáveis. Não é novidade ouvir que os Açores apresentam das mais altas taxas de associativismo no panorama nacional. Brilhante. Mas também não será novidade saber que a Região apresenta as mais baixas taxas de participação política. Horripilante. O que causa essa desconformidade? A resposta, quanto a mim, estará nos conceitos acima identificados. A opção azórica tem sido pelo associativismo instantâneo, ou de não comprometimento, no espaço público. Associativismo financiável e financiado. Quem perde? Todos nós.
Se os cidadãos e os intelectuais têm alguma função orgânica, é a de obreiros da democracia possível (1). A cidadania, e o exercício de cidadania por associações, tem de ser uma participação quotidiana e alargada, tal como a democracia deve ser todos os dias aperfeiçoada. Cidadania não é só fonte de privilégios, também, é fundamento de obrigações cívicas. Por isso é que educar para a cidadania activa deve ser uma das prioridades programáticas de qualquer bom Governo. Falamos já não tanto da republicana dedicação à colectividade e ao Estado mas de responsabilidade na construção do futuro. As democracias e as sociedades evoluídas, educam em defesa própria já dizia Aristóteles.
Vem, agora, esta teorização, a propósito de ter ficado, praticamente, deserta a consulta pública ao Plano Estratégico de Gestão de Resíduos nos Açores. Parece que SÓ três açorianos consultaram um dos documentos mais importantes para o futuro ambiental da Região (notícia RDP/A). Este chocante acordar para o estado do exercício da cidadania regional deve fazer pensar os adeptos da democracia participativa, entre os quais me incluo. E digo pensar no sentido de redefinir estratégias. Se é óbvio que o sistema de deliberações administrativas, em circuito fechado, está longe de ser o ideal, a simples disponibilização de fórmulas de participação popular não se justifica em si mesma. Mais uma vez, numa sociedade hiper-comodista e acomodada, o incentivo à participação deverá, obrigatoriamente, passar, não só, pelos apelos na comunicação social, mas também, pelo esclarecimento rua a rua, e em algumas situações, porta a porta. Um papel do Estado. Um papel, sobretudo, para as associações.
A falta de conhecimento e a não informação são duas faces da mesma moeda: a cidadania incompleta ou diminuída, ou seja, mulheres e homens menos livres. Acompanhamos Roberto Carneiro no prefácio do, obrigatório, “Cidadania: Uma visão para Portugal” (2): a generalização de um discurso de cidadania – ainda que por vezes inconsequente – é uma prova de que, independentemente do quadrante ideológico de cada um, “o vazio não aproveita ao funcionamento estável da sociedade” e como, vezes sem conta, já, aqui, afirmamos “o maior terror que nos deve preocupar do ponto de vista cívico é a ignorância”.

(1) Miguel Veiga, Cidadania e Sociedade de Valores. In, Congresso da Cidadania, 2005
(2) Ed. Gradiva e Instituto Humanismo e Desenvolvimento, 2007

Sé, 28 de Agosto de 2007