domingo, novembro 26, 2006

É A GEOGRAFIA, ESTÚPIDO!

Já Nemésio dizia que a Geografia para nós valia outro tanto como a História (1). E essa verdade não se esgota na caracterização sócio-cultural. Analisando a importância do factor geográfico na definição das políticas públicas, das relações institucionais e na construção de uma realidade regional coesa política, social e economicamente, verificamos que, do século XIX onde “a geografia, a economia e a organização político-administrativa não tinham possibilitado que se forjasse nos Açores uma entidade regional coerente e autónoma” (2) ao pós 1976, que não fugiu ao determinismo geográfico, em aliança ao histórico, como critério fundador do edifício institucional autonómico, não houve como contornar o «chauvinismo» das ilhas e criar uma consciência regional. Para esta, já Silva Ribeiro defendia na sociedade duas ordens de factores: “uma profunda, que constitui como que alicerce do edifício social – a organização e actividade económica; outra envolvente, superficial, que por aquela se molda – a organização político-administrativa” (3).
Económica e socialmente a autonomia constitucional cresce à sombra do desenvolvimento harmónico (que ainda reside o Estatuto Político-Administrativo) um conceito que tem no seu âmago a geografia enquanto factor primeiro no desenvolvimento das políticas públicas para as 9 ilhas, de modo que estas tornavam-se, em si, sujeitos automáticos de todas as orientações garantindo-lhes o acesso a fundos, ou a estruturas, independentemente das suas reais necessidades.
Aqui, os novos tempos trazem-nos uma mudança do paradigma pelo conceito do desenvolvimento integrado, que as políticas de coesão, e para a coesão, impõem, ao interpretarem o factor geográfico conjuntamente com outros factores (sociais, ambientais e económicos). Perspectivando as ilhas nas suas realidades próprias, construir-se-ão e desenhar-se-ão as políticas públicas mais adequadas, e ao desenvolvimento de cada uma ligar-se-ão políticas regionais incentivando a circulação de bens, pessoas e serviços ajudando à criação de um mercado interno e ao acesso aos mercados externos.
O redireccionamento dos recursos regionais para potenciação das idiossincrasias das ilhas e menos para consolo de nomenclaturas ou clientelas imobilistas, faz-nos aterrar, de novo, no pilar sociológico. O «velho», mas sempre viçoso, bairrismo. Fomentado ao longo dos séculos, primeiro, pela natureza, depois, pelas estruturas administrativas públicas, não foram estes últimos 30 anos que o esbateram, eventualmente até nele tiveram contribuição. As ilhas viveram em competição directa ao longo de demasiados anos, originando invejas, que se transmitiram de geração em geração, consumindo recursos. O bairrismo só se esbaterá pela satisfação pessoal. Não por políticas soviéticas, idênticas e formatadas, mas pelo empreendedorismo individual, pela criação de riqueza e de livre acesso aos bens e serviços em cada ilha. Mas se, como vimos, há políticas que convergem para essa superação, o seu último reduto encontra-se no edifício político-institucional onde as estruturas político-partidárias não cuidam de garantir, pelo menos, a sua mitigação. É um facto indesmentível que o século XXI contesta a realidade de apenas 3 ilhas encerrarem todo o modelo institucional da autonomia. Os novos modelos organizacionais aliados às novas tecnologias estilhaçam esse arcaísmo. A perspectiva institucional deve assegurar, no seu princípio e no seu fim, a consciência e o discurso regional. Por exemplo: se a construção inicial da lei eleitoral regional procurou o equilíbrio do factor geográfico (ilhas) promovendo distorções de proporcionalidade, representatividade e legitimidade política, agora, pela criação de um sistema misto, com um círculo regional, contribui-se para o ponto óptimo de uma visão política regional aliada às necessidades de proximidade eleitor-eleito.
Será o desafio que falta vencer e é o desafio político para este século: fomentar na estruturação institucional, territorial, partidária, económica e social regional factores onde haja menos rua, freguesia, concelho, ilha, mais consciência e discurso regional, mas sobretudo mais Região no Mundo e Mundo na Região. É essa a nossa geografia.

(1) Açorianidade. Insula n.º 7-8. Julho-Agosto, 1932
(2) Maria Isabel João, Os Açores no Século XIX, Economia, Sociedade e Movimentos Autonomistas. Ed. Cosmos, 1991.
(3) Obras, Vol. IV – Escritos Político-Administrativos. Ed. Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1996

Horta, 20 de Novembro de 06

domingo, novembro 12, 2006

VERDADES INCONVENIENTES

A verdade sobre a crise climática é inconveniente porque significa que vamos ter de mudar a maneira como vivemos” Al Gore (*)

Há pelo menos 30 anos que se provou cientificamente que a actividade humana tem impacte sobre a nossa atmosfera. Em 1985, com o protocolo de Montreal, concertou-se uma acção internacional que permitiu a eliminação da emissão de clorofluorcarbonetos para a atmosfera. Desde então a comunidade científica não tem parado de divulgar estudos que provam que o Homem está a alterar o clima. Na política internacional constitui-se, em 1988, um grupo de trabalho entre a ONU e a Organização Metereológica Mundial: a Comissão Intergovernamental para a Alteração Climática (CIAC) (1) que se destina a fornecer aos decisores políticos perspectivas fundamentadas das alterações climáticas e das suas causas. Em 1990 a CIAC declarou que a ameaça da alteração climática era real, sendo necessário um tratado mundial para fazer frente ao problema. A Convenção-Quadro da ONU sobre alterações climáticas é acordada em 1992 e, logo, em 1995 se sentiu necessidade de se estabelecerem objectivos mais compulsivos. O Protocolo de Quioto surge em 1997 com metas até 2012. O último relatório da CIAC, em 2001, é fruto de um trabalho de 122 orientadores e 515 colaboradores e a investigação foi analisada por 337 especialistas (2).
Enquanto a comunidade científica mundial se atarefava em volta destas preocupações a «sociedade civil» começou a tomar como suas as causas do aquecimento global e das alterações climáticas. Desde que me conheço que ouço falar de grupos ambientalistas e das suas posições questionadoras das políticas públicas. No entanto, ainda que fundamentados em estudos e comprovações científicas, os «ambientalistas» sempre foram encarados, pela maioria, como marginais política e socialmente.
Bom, este arrazoado tem por objectivo justificar o meu espanto com a reacção mundial ao documentário de AL GORE: Uma Verdade Inconveniente (3) ou com o recente RELATÓRIO STERN (4) encomendado pelo governo britânico. Gore será um exemplo de marketing bem conseguido (talvez a melhor forma de levar a mensagem a cidadão comum). Quanto a Stern, alguns fundamentam o mediatismo porque pela primeira vez foram apresentados números oficiais para o custo do que andamos a fazer: 5,5 biliões de euros (5% da riqueza gerada no planeta anualmente)! Contudo, pelo menos, em 2001, Bjorg Lomborg (5) já escrevia sobre isso. Ironia das ironias Al Gore, candidato derrotado do amigo Bush, é convidado a assessorar Tony Blair, em matéria ambiental. Com este trunfo, Blair lidera, de novo, a opinião pública mundial e impõe posições claras da locomotiva europeia. Está, perguntam, finalmente, encontrada a causa global em que a União Europeia pode liderar? E este planeta terá futuro, se cada um de nós (causas do aquecimento global) não consegue (nas decisões que toma quanto ao que compra, nas quantidades de electricidade ou de água que utiliza, nos carros que conduz, na sua forma de vida) tornar-se parte da solução, sem ver provado, à exaustão, por A+B, que tudo se está a complicar? Enquanto escrevo, Nairobi recebe o 2.º encontro dos países que ratificaram Quioto bem como a 12.ª sessão da Conferência dos países que assinaram a Convenção-Quadro sobre alterações climáticas (6). Continuará a ser concebível que as Nações Unidas não possam aplicar sanções aos países que não cumpram a parte que lhes compete nas medidas mundiais de protecção do ambiente? Não sei, hoje apenas consigo dizer que quer Al Gore quer Harold Stern conseguiram provar-me algo verdadeiramente inconveniente: que a comunidade científica, as associações ambientalistas e as instituições internacionais andam sem credibilidade há 30 anos.

(*) Uma Verdade Inconveniente. Ed. Esfera do Caos, 2006
(1) http://www.ipcc.ch/
(2) Peter Singer, Um só Mundo – a Ética da Globalização. Ed. Gradiva, 2004
(3) http://www.climatecrisis.net/
(4)http://www.hm-treasury.gov.uk/independent_reviews/stern_review_economics_climate_change/sternreview_index.cfm
(5) The Skeptical Environmentalist. Cambridge University Press, 2001
(6) http://www.nairobi2006.go.ke/

Sé, 6 de Novembro de 2006