domingo, outubro 28, 2007

A EUROPA, AMANHÃ

Conclusão 1: Os temas europeus não são tão áridos quanto se pensa e os cidadãos conseguem entendê-los, discuti-los e formar opiniões sobre eles se forem incentivados a isso.
Conclusão 2: Com mais informação, muitas pessoas mudam de opinião sobre os temas europeus mais prementes.
Comecei pelo fim? Não! Isto é o que acontece quando se juntam quase 400 cidadãos dos 27 Estados-membros da União Europeia, em Bruxelas, e lhes é dada informação e possibilidade de debater assuntos europeus na sua língua materna com outros cidadãos de todos os outros países europeus. A experiência, “Tomorrow’s Europe” (1), liderada pelo think tank Notre Europe (2), constitui a primeira sondagem deliberativa feita a nível transnacional. Esta sondagem baseou-se numa sub-amostra de todos os 27 países (362 pessoas de idades entre os 18 e os 80, de várias profissões e com qualificações académicas diferentes) que se juntou em plenário, no edifício do Parlamento Europeu, para interrogar peritos e políticos (pró-europeus e eurocépticos) e para debater em grupos mais pequenos, na língua em que preferissem (foram usadas 22 línguas com os respectivos intérpretes). Receberam, ainda, informação com dados factuais e opiniões contraditórias sobre todos os assuntos em discussão. Após o fim-de-semana de debate, muitos dos inquiridos alteraram as suas opiniões.
Como é que a UE consegue ser ao mesmo tempo tão bem sucedida e tão impopular? Apesar do Eurobarómetro identificar que as instituições europeias são vistas pelo cidadão comum com igual legitimidade à das instituições políticas nacionais e de recolher um largo consenso e apoio das instituições dos seus Estados-membros, a UE continua a ser um assunto politicamente impopular. A culpa é de quem? Dos governos nacionais que não querem, ou temem, chamar os seus eleitorados às questões e decisões políticas europeias? Onde quer que estejamos, cada país tem os seus fantasmas nacionais, catapultados à dimensão europeia. Ou, de quem nunca soube criar uma linguagem política pan-europeia, mau grado as orientações de Bruxelas apontarem, constantemente, para a construção de um conceito de cidadania europeia?
Por exemplo, mesmo que todos os líderes europeus queiram com este Tratado Reformador – vulgo Tratado de Lisboa – esquecer o pesadelo dos últimos 10 anos de indecisão institucional, em que eles próprios se colocaram, diga-se, o futuro teimará em estar à frente deles. Serão de acompanhar os quase 20 países que já ratificaram o Tratado Constitucional dizendo que este Tratado não difere muito do anterior, ao mesmo tempo que outros, como a França, a Holanda e o Reino Unido, vão ter de dizer precisamente o oposto, ou, ainda a propósito do recente consenso sobre o texto do Tratado, não deixarão de ser audíveis os argumentos a favor (mais democracia e subsidiariedade) que, dificilmente, gerarão mais entusiasmo à causa europeia, e o, ruidoso, rol dos contra que começa na ausência de resposta a questões como a Europa agente de globalização ou instrumento de protecção às consequências essa globalização (dos mercados ou social), e acaba nos que dizem que decisões sobre o papel da Europa num mundo multi-polar (Kosovo, Turquia, Médio-Oriente, África) vão continuar adiadas.
Certo é que este “update” institucional não será o último e a subsequente necessidade de legitimação política no plano nacional não desaparecerá. Talvez por ser essa a única mola da “Nova Europa”, o actual passo adiante carrega, com naturalidade, o desequilíbrio. E, porque ao passo desequilibrado sucede um propósito de reequilíbrio, não nos surpreendamos se forem apresentadas propostas de alteração a este Tratado mesmo antes de muitos dos seus novos conceitos terem sido verdadeiramente implementados (3). Não foi Sarkosy quem proclamou que “A Europa tem de proteger os seus cidadãos e não preocupá-los”?

(1) http://www.tomorrowseurope.eu/
(2) http://www.notre-europe.eu/
(3) http://www.voxeu.org/index.php?q=node/661

Sé, 23 de Outubro de 2007

domingo, outubro 14, 2007

O SUSPEITO DO COSTUME

O Senhor Presidente da República veio aos Açores um ano e meio depois de ter iniciado o seu mandato (e já disse que cá quer voltar, antes de 2011, para conhecer as restantes, o que não está nada mau) anunciando que a visita que aos Açores tinha como objectivo conhecer a "nova realidade" do arquipélago e o "esforço feito por todos os açorianos" na melhoria das condições de vida, o que é para nós uma afirmação cristalina de aval às mudanças que o arquipélago sofreu desde que abandonou o poder como Primeiro-Ministro nos idos de 1995, a fazer pensar aqueles que tanto gostam de beber no cantil presidencial...
No entanto, os nobres propósitos de (re)conhecimento do Senhor Presidente, integrando, inclusive, esta visita no roteiro da ciência e do mar, cedo se secundaram. O Senhor Presidente sabia onde estava e ao que vinha. Sabia quem o ouviria, os de cá e os de lá (Madeira e Continente), e sabia que esta constituía uma oportunidade única para enquadrar “presidencialmente” os futuros debates autonómicos, pois não deixam de chegar a Belém, via Madre de Deus, os mediatizados contentamentos dos Senhores Deputados Regionais sobre os inovadores avanços autonómicos que, dizem, o anteprojecto encerra, nem são esquecidas as estrídulas ameaças madeirenses para a revisão constitucional de 2009. Sabedor disso tudo, e, certamente, de muito mais, o Senhor Presidente, magistrado de influências e magister (professor) de palavras, usou da máxima que tanto poder lhe tem dado: Os discursos do Presidente são importantes!
Nem querendo alegar desconhecimento constitucional confirmou o Senhor Presidente, no seu discurso (*) na casa mãe da Autonomia, que: "...Não compete, naturalmente, ao Presidente da República desenhar a arquitectura constitucional do sistema autonómico. O leque de poderes atribuído às Regiões Autónomas, seja na versão originária seja nas suas subsequentes revisões, é matéria da competência exclusiva da Assembleia da República…”. Contudo, na hora da verdade, o quadro mental deste nosso “suspeito do costume” falou mais alto e disse (sublinhados nossos): "...deveríamos, nem que fosse por breves instantes, saudar aqueles que, através da fórmula do Estado unitário regional, souberam encontrar um saudável equilíbrio entre dois princípios estruturantes da República Portuguesa..." ou "...os grandes desafios que se colocam ao futuro das autonomias passam, hoje, mais pelas políticas adoptadas do que pela consagração formal de novas competências e de novos poderes...", e ainda, "...Desejo (...) reiterar a minha confiança nos Representantes da República para as Regiões Autónomas, que aqui saúdo, fazendo votos de que os mesmos disponham de um estatuto adequado ao cabal exercício das suas competências de representação da soberania da República...", finalmente, "...Estou certo de que os Deputados desta Assembleia têm o sentido de responsabilidade necessário para assegurar um relacionamento saudável com as autoridades da República..."
Perfeito e inspirador para aqueles que vão querer glosar, daqui a poucos meses, este "legado autonómico" do Presidente sobre a Proposta de Reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região. Não acreditam? Pois, cá os espero...

(*) http://www.presidencia.pt/?idc=22&idi=9447

Sé, 09 de Outubro de 2007