domingo, agosto 19, 2007

LER PARA ESQUECER

Parece contraditório? Talvez não o seja se nos lembrarmos que a média de leitores de livros em Portugal é de é de 37.1%. Em dados de 2006, são 3 milhões e 79 mil os indivíduos que têm o hábito de ler livros. Igualmente segundo os resultados de 2006, mais de cinco milhões de residentes no Continente dizem frequentar centros comerciais nos seus tempos livres e jogar em sorteios ou lotarias, enquanto 1,9 milhões dizem ir a exposições (escultura, pintura, etc) (1). Chego, assim, à conclusão que a leitura de Verão está para o todo nacional como a profilaxia mental para um mea culpa de quem pouco, ou nada, por si fez, culturalmente, ao longo do ano. Por outro lado, também não sou arauto da tese de que livros maus não existem. Existem pois, e há que fugir deles como o diabo da cruz. Sem falsas modéstias concedam-me estas recomendações para o que vos resta do Verão:
O Vento nos Salgueiros é um intemporal livro infantil, escrito em 1908 por Kenneth Grahame, onde uma Toupeira se cansa da vida comum que levava, e parte para uma pequena aventura, indo até as margens do rio. Lá conhece o Rato, um corajoso e generoso personagem, que abriga a Toupeira. No decorrer da história, outros personagens vão surgindo, com destaque para o narcisista, egoísta e rico Sr. Sapo, que desenvolve uma queda por automóveis e o Texugo, sábio, ponderado e reservado, que ajuda os outros animais a sair de algumas enrascadas. A pureza da obra comove dos 7 aos 77 (2).
O Tio Vânia, de Anton Tchékhov. Seguindo a recensão de Jacinto Lucas Pires este livro conta muitas histórias: a de Astrov, que se vai tornando cínico à medida que se apaixona pela bela Elena, casada com o velho Serebriakov; a de Vânia, que parece querer usar o amor por Elena como uma saída, uma fuga para a frente, até a um ponto de loucura; a de Sónia, que acaba por aprender, às custas do seu coração jovem, as consolações da rotina; a de Elena, que é, de forma sintomática, a história de um tédio; etc – aqui todas as personagens, até as mais secundárias, têm um caminho autónomo, um específico ponto de vista em relação à vida e ao mundo. É a história das histórias que poderiam acontecer. Histórias de humanos recuos, em que alguns “ses” individuais são deixados no ar, por concretizar, como na vida. Por alguma razão, o realizador Andrei Kontchalovski disse: "Tchekhov começou uma nova dramaturgia - a dramaturgia do absurdo que é a vida absurda. Tchekhov viu, talvez adivinhou, intuitivamente, que as ambições das pessoas são mais importantes do que a verdade.” (3)
Madame Bovary, de Gustave Flaubert, conta o caso de uma burguesa provinciana com a imaginação exaltada pelas leituras românticas. Emma Bovary, levada pela ambição de uma vida mais intensa que a que pode dar-lhe o ambiente em que vive com o marido, um médico de aldeia medíocre e simples, corre várias infelizes e turvas aventuras, precipitando-se num desespero escandaloso que a leva ao suicídio. Num maravilhoso contraste entre as ansiedades apaixonadas e ardentes de Emma e a povoação e os personagens que a rodeiam, Madame Bovary é uma obra capital na literatura do seu tempo, um daqueles livros que dão início a uma época literária. (4)
Boas Férias, Bons Livros e Boas Leituras!

(1)http://www.marktest.pt/produtos_servicos/Consumidor/default.asp?c=1016&n=1691&f=1011&a=1016
(2) Ed. Tinta da China, 2007
(3) Relógio D’Água, 2005
(4) Relógio D’Água, 1991

Ponta Delgada, 15 de Agosto de 07

domingo, agosto 05, 2007

OS UNS E OS OUTROS

Não é difícil, nos dias que correm, sejam silly ou não, abrir um jornal, ligar uma rádio ou televisão e ler ou ouvir discorrerem sobre a crise que grassa o sistema político-partidário continental. Mal ou bem, a verdade é que não faltam comentadores que se abalançam a tal empreitada.
Difícil será concluir o mesmo em relação ao sistema político-partidário regional. Vejamos que os nossos comentadores ou omitem o tema ou personalizam as apreciações. Tentaremos, pois, fugir a esse engodo, partindo da chocante conclusão: o sistema político-partidário regional está bloqueado.
O nosso sistema assenta, desde o primeiro desenho, nos partidos políticos replicando nessa parte o sistema nacional. Ou seja, caracterizado, unanimemente, como um sistema parlamentar puro, com acesso exclusivo das forças partidárias, aparentemente, serão os partidos o princípio, o meio e o fim de todo o sistema político. Tal raciocínio poderia não levantar grandes espantos se vivêssemos tempos em que a representatividade político-partidária fosse tida, ainda, como o único sustentáculo das chamadas democracias liberais. Contudo, os tempos não estão para os partidos. Ou melhor estes partidos não estão para estes tempos.
É sabido que no sistema político regional existem duas grandes forças partidárias (PS/A e PSD/A) tendo, ambas, exercido funções de governo. Também é sabido que os dois maiores partidos usufruindo de uma legitimação popular inquestionável, conseguem manter-se no poder por diversas legislaturas consecutivas, a não ser pela introdução no ciclo político de uma anormalidade. Foi o caso do abandono de funções do então Presidente do V Governo Regional.
Quer isto dizer que a bi-partidarização regional é menos uma antecâmara para a alternância democrática do que a essência do sistema poderia fazer prever. Existem variáveis que podem justificar essa conclusão. Primeiro, o sistema foi concebido para que, tradicionalmente, seja ao maior partido da oposição que incumbe a obrigação de fiscalização e contra-propositura às acções do governo. Segundo, caberia ao partido do governo assumir uma atitude pró-activa face aos movimentos globais forçando a renovação programática e, consequentemente, as políticas de governação. Geralmente, esta segunda variável tem sido assumida pelos governos, seja porque os respectivos partidos não estão estruturados para, democraticamente, assumirem a renovação de políticas numa sequência ascendente (cidadão-militante-dirigente), seja porque o exercício do poder esgota os melhores activos partidários. Ora, se a esta questão se aliar a do maior partido da oposição falhar redondamente a sua missão então há um grave vazio político que tem, obrigatoriamente, de ser preenchido sob pena de falência ou implosão do próprio sistema. E a situação é tanto mais complexa quando, como se verifica, esse espaço de alternativa política não é ocupado pelos restantes jogadores do universo partidário. Qualquer dos chamados pequenos partidos, tenham representação partidária ou não, dificilmente encontram um registo que revele uma atitude de fiel da balança do sistema. Condicionados por discursos desfasados, ou remetidos à circunscrição de ilha, a verdade é que ou o CDS/PP, o PCP e o BE esperam uma benesse dos céus, servida em bandeja de prata com o círculo regional, ou pelo que não se lê, ouve ou vê, têm os seus dias contados, agravando a doença. Assim é que, ironicamente, o sistema político-partidário regional remete para o governo toda a responsabilidade da manutenção da essência democrática: compete-lhe governar, actualizar-se programaticamente e fiscalizar, internamente, o cumprimento dos princípios políticos democráticos.
Esta visão contra-natura resulta de um bloqueio manifesto por parte dos partidos políticos do arco da governação. Bloqueio interno na ausência de democraticidade na maioria das suas estruturas e deliberações, fazendo ruir o modelo da representatividade em que foram concebidos. Bloqueio externo ao blindarem o acesso ao sistema parlamentar para uso exclusivo dos partidos. Pergunta-se então: porque é que a proposta de Estatuto Político-Administrativo não autoriza a representação parlamentar a movimentos de cidadãos? porque é que a lei eleitoral não prevê as listas abertas dos candidatos? Parece que estão, apenas, à espera que alguns dos recentes ditos “movimentos de cidadania”, que crescem por simples oposição aos partidos, cheguem à Região. Espero que não, a bem do…sistema.

Ponta Delgada, 31 de Julho de 2007