domingo, abril 03, 2005

A ESTANTE NA :ILHAS #16

Ama como a estrada começa
Pena Capital,
Mário Cesariny.
Assírio&Alvim, 1999

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras…
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

Poesias,
Mário de Sá-Carneiro. Ática, 1998

Mais alto que o Coração, a Cabeça.
Mas mais alto que a Cabeça, o Coração.

Investigações. Novalis,
Gonçalo M. Tavares.
Difel, 2002

Porque eu te amo, ó deus, mesmo que não
existas, peço-te que em cada primavera voltem
a florescer as palavras. Preciso delas para
cantar o sorriso da amada; e para manter o fogo
que arde na mansidão dos seus lábios, quando
a tarde traz um cansaço de sentimentos.

Cartografia de Emoções,
Nuno Júdice
Publicações Dom Quixote, 2001

José olha o sol de frente e pensa. Pensa na mulher e no que o diabo lhe disse na venda sobre ela. E pensa no dia em que as cigarras se calarão na planície e os ramos mais finos dos sobreiros e das oliveiras se tornarão pedra. Trinta anos mais tarde, José filho de José, olha o sol de frente e pensa. Pensa na mulher do primo e no que o diabo anda a dizer ao primo na venda sobre eles. E pensa no instante em que nada restará, nem mesmo o silêncio que fazem todas as coisas ao olhar-nos.
Nenhum Olhar,
José Luís Peixoto.
Temas&Debates, 2000

Foi quando li palavras que não sentira ter escrito, num papel que não sabia ter procurado.
“Sinais de fogo, os homens se despedem,
exaustos e tranquilos, destas cinzas frias,
lançando ao mar os barcos de outra vida.”

Sinais de Fogo,
Jorge de Sena.
Público, 2003

(Os anos passarão. Os canteiros hão-de gerar um outro buxo. Outros pássaros virão cantar nos ramos altos do pinheiro manso e dos plátanos. A tia morrerá. E a casa e o jardim, a própria vila, suas rotinas, seus ritmos e seus ecos. Não ficará senão a tua voz na tarde calma. Olá, disseste. E a terra começou a tremer.)
A Terceira Rosa,
Manuel Alegre.
Publicações Dom Quixote, 1998

O que há de novo no mundo contemporâneo não é o facto nem mesmo o grau de inumanidade que a persistência da fome, da doença, da total exclusão de milhões de homens de um mínimo de dignidade ou até da hipótese de sobrevivência revela, mas a constatação de que esse fenómeno coexiste com o espectáculo de uma civilização aparentemente dotada de todos os meios, de todos os poderes, para a abolir.
O Esplendor do Caos,
Eduardo Lourenço.
Gradiva, 2002