domingo, abril 01, 2007

JUNTOS, MAS POUCO

A Europa foi durante séculos uma ideia…” assim começa a Declaração de Berlim assinada, no passado dia 25, pelos 27 Estados-membros da União Europeia, para celebração dos 50 anos da assinatura do Tratado de Roma. Antecedeu-lhe uma semana de escritos, intervenções e entrevistas, alguns repetindo as mesmas certezas e interrogações, outros indo pouco além do politicamente correcto ou previsível, dificilmente encontrando ideias, quando muito novas, menos, ainda, sonhos e novos sonhos. Talvez por isso me tenham prendido, mais que as opiniões dos políticos, as posições de dois dos mais importantes e conhecidos filósofos da actualidade. Parece-me valer a pena, no meio da cinzenta plutocracia programada, destacar os contributos de Peter Sloterdijk (1) e Jürgen Habermas (2) para a construção da genuína visão pan-europeia para os próximos 50 anos.
Segundo Sloterdijk a questão de fundo é: como reformular esta «grandeza»? Caracterizando Bruxelas como “a capital do vazio”, considera que “o objectivo da existência humana não se encontra já do lado da gestão política das nossas vidas mas numa visão completamente apolítica da existência, em que as preocupações políticas são delegadas em «expertocratas» que gerem a coisa por nós”. O conceito de velha Europa surge “como sinónimo da Europa do pensamento metafísico. E a nova Europa é uma Europa filisteia e pragmática, onde a paixão metafísica se evaporou”, além disso, somos “habitantes de um novo mundo que está separado por um fosso muito profundo do nosso próprio passado”. Daí que haja uma Europa sem Europeus e uma “espécie de melancolia generalizada nos europeus”, pois à estagnação demográfica da Europa acompanha a diminuição do papel e do potencial intelectuais deste continente. A Europa só poderá ser algo mais entusiasmante se possuir “uma juventude disposta a entusiasmar-se”. Eventualmente, direi, o único e verdadeiro desafio e compromisso com o futuro dos “Estados Unidos da Europa”, preparando a mudança de paradigma da visão dos estados-nação, onde a Europa é solução para os problemas internos, para a visão pan-europeia que assenta, em Jürgen Habermas, no olhar a Europa unida por olhos que vêem os contributos que esta pode dar para problemas que se colocam fora das suas fronteiras. O que a Europa pode ser através da indução que constituem os seus «alargamentos da liberdade», propósito central dos próximos anos, obriga a que se digam quais são os países elegíveis para adquirirem o estatuto pleno de membro da União. É fundamental, dizer «sim» aos Balcãs, mas sobretudo à Turquia, Bielorrússia e Moldávia, atravessando a suposta linha divisória entre civilizações. Além disso, o elenco dos desafios mais urgentes na Europa do século XXI, há muito está definido: uma política externa comum, um exército comum, a harmonização fiscal, a internacionalização do modelo social europeu, as políticas energéticas e a defesa do clima. Contudo, a paralisia para a concretização desse «novo sonho» continua a passar por os vários governos terem diferentes objectivos para a União. Por isso, estamos com Habermas: “é preciso por a casa em ordem”. Uma das acções fundamentais é a da legitimação democrática, através de um referendo europeu, para três questões estruturais - o presidente eleito, o ministro dos negócios estrangeiros e o sistema de financiamento próprio -, “dando voz à maioria silenciosa que é a favor de um fortalecimento das instituições europeias”. Uma segunda medida será determinar que essa «nova» Europa institucional apenas deve vincular aqueles países cujos cidadãos se manifestem favoráveis às reformas, desde que constituam a maioria dos 27, abandonando a tese do “comboio europeu à velocidade das carruagens mais lentas”. Esta é uma decisão estruturante para o que será o centro e a periferia na futura Europa. Uma nova visão para o «império voluntário». Espantados? Apenas porque andam distraídos…

(1) Revista Actual, Expresso. 24 de Março de 07
(2) http://www.signandsight.com/features/1265.html

Ponta Delgada, 26 de Março de 2007