domingo, abril 09, 2006

BOA GOVERNANÇA

Esta semana fomos esmagados pelas novidades do Terreiro do Paço. Propaganda ou não, o que é facto é que apresentando um plano de 333 medidas para a desburocratização administrativa (SIMPLEX) e um modelo geral para a reestruturação e racionalização da administração directa e indirecta do Estado (Programa para a Reestruturação da Administração Central do Estado - PRACE) a República está a dar um sinal, muito forte, de que quer seguir o que há anos se anda a fazer no resto do mundo em termos de administração (v.g., nessa matéria, o livro Branco da União Europeia). Como tal, é natural, e quase indispensável, que não fique por aqui. Faltam-lhe outras vertentes, quiçá, as mais importantes, uma vez que é sabido que as propostas para uma administração no Século XXI assentam, fundamentalmente, em três variáveis: a qualificação e a qualidade; a descentralização; a desburocratização. Vou, então, procurar, aqui, enquadrar as actuais referências programáticas mundiais para uma boa governação nesses horizontes da administração nacional e regional.
Princípios.
São cinco os princípios em que se baseia a boa governança e que devem enformar quaisquer das alterações propostas: abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência. Cada um destes princípios é fundamental para a instauração de uma administração mais democrática. São eles que constituem a base da democracia e do Estado de direito, mas aplicam-se a todos os níveis de governo: global, europeu, nacional, regional e local, sendo particularmente importantes para que se possa dar resposta aos desafios da modernidade.
Abertura. Os órgãos de governo deverão trabalhar de uma forma mais transparente. Em conjunto deverão seguir uma estratégia de comunicação activa sobre as suas tarefas e as suas decisões. Deverão utilizar uma linguagem acessível à opinião pública e facilmente compreensível. Este aspecto reveste particular importância para melhorar a confiança em instituições complexas.
Participação. A qualidade, pertinência e eficácia das políticas dependem de uma ampla participação através de toda a cadeia política — desde a concepção até à execução. O reforço da participação criará seguramente uma maior confiança no resultado final e nas instituições que produzem as políticas. A participação depende principalmente da utilização, por parte da administração, de uma abordagem aberta e abrangente, no quadro do desenvolvimento e aplicação das suas políticas.
Responsabilização. É necessário definir as atribuições no âmbito dos processos legislativo e executivo. Cada instituição deverá explicar a sua acção e assumir as responsabilidades correspondentes. Mas é também necessária uma maior clareza e responsabilidade dos responsáveis políticos e de todos os que participam na elaboração e aplicação das políticas regionais, seja a que nível for.
Eficácia. As políticas deverão ser eficazes e oportunas, dando resposta às necessidades com base em objectivos claros, na avaliação do seu impacto futuro e, quando possível, na experiência anterior. A eficácia implica também que as políticas sejam aplicadas de forma proporcionada aos objectivos prosseguidos e que as decisões sejam adoptadas ao nível mais adequado.
Coerência. As políticas e as medidas deverão ser coerentes e perfeitamente compreensíveis. A necessidade de coerência é cada vez maior: o leque das tarefas aumentou; desafios como o ambiente e a evolução demográfica extravasam as fronteiras das políticas sectoriais em que a administração se tem vindo a basear; as autoridades regionais e locais estão cada vez mais envolvidas nas políticas da União Europeia. A coerência implica uma liderança política e uma forte responsabilidade por parte das instituições, para garantir uma abordagem comum e consistente no âmbito de um sistema complexo como o do espaço global em que vivemos.
Aplicação prática.
Cada um destes princípios é importante por si só, no entanto, não podem ser postos em prática de forma desgarrada e sem uma avaliação de qual o papel do Estado contemporâneo. A eficácia das políticas passa, primeiro, obrigatoriamente, por essa orientação prévia. Depois, por uma maior participação ao nível da sua elaboração e aplicação, quer na determinação de qual o nível administrativo mais competente, quer na avaliação dos processos e procedimentos mais capazes. A aplicação daqueles cinco princípios obriga, assim, a uma reavaliação dos papéis do público e do privado e reforça os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade. Um círculo virtuoso desde a concepção até à aplicação das políticas que obriga a que, antes de lançar uma iniciativa, seja fundamental verificar sistematicamente:
a) Se é realmente necessária uma acção pública;
b) Se o nível nacional, regional ou local se afigura o mais adequado;
c) Se as medidas escolhidas são proporcionais aos objectivos.

Consideremos que o âmbito e a actividade executiva na Região, também, estão a mudar. Consideremos que essa mudança deve acompanhar a reforma do papel do Estado. Que as suas tarefas deverão abranger, em futuro próximo, a fiscalidade, a política externa, a imigração e a investigação. Sabendo que a legitimidade da administração regional autónoma tem dependido da participação e do empenho das suas lideranças. Sabendo que, face às novas doutrinas, este modelo linear, em que as políticas são da exclusiva responsabilidade dos dirigentes, tenderá a ser substituído por um círculo virtuoso, baseado nas reacções dos interessados, nas redes e na participação a todos os níveis, desde a elaboração das políticas até à sua aplicação. Significa que, além da reforma da administração territorial, já por nós apontada, é fundamental a reforma do papel dos órgãos do governo da Região, da sua estrutura e dos seus processos. Querem maior desafio colectivo que este?

Sé, 2 de Abril de 2006