JANELAS ALTAS (X)
Dez razões para uma revisão estatutária.
Ao longo das últimas semanas, com o beneplácito do Diário Insular, tenho vindo a maçar-vos com o que penso serem as prioridades para a revisão estatutária que se anuncia. Devo aqui confessar que vejo o nosso futuro Estatuto, tecnicamente diminuído, uma vez que após a revisão de 2004, deixou de ser qualificado na maioria das suas matérias. Foi um passo atrás. De qualquer forma, não entendo que tudo se resolve com e na Constituição. Pelo contrário, sendo a nossa Autonomia política, essa política também se faz de práticas. Daí entender que ao Estatuto cabe um papel de orientação, de clarificação, mas sobretudo, de potenciação da praxis autonómica. Guardei este artigo para alguns sublinhados e outras questões, que, parecendo menores, não deixam de merecer tratamento relevante. Peço-vos, pois, um último esforço para as seguintes dez prioridades:
1- As novas competências legislativas
A remissão expressa para o Estatuto de quais serão as matérias sobre as quais a Região terá competências legislativas e executivas impõe um redobrado cuidado e esforço no sentido da sua o mais completa discriminação. Ainda que sempre tenhamos defendido que melhor teria sido optar-se por uma listagem de competências e não de matérias, agora que o interesse específico e as leis gerais da República estão afastadas do horizonte interpretativo constitucional, vamos fazer fé que as competências reservadas aos órgãos de soberania sejam o único limite material ao pleno exercício autonómico e que o Estado Unitário não nos continue a ser lembrado e reforçado pelos senhores juízes conselheiros do palácio Ratton. Como as nossas reservas não nos tolhem a vontade, outros dois pontos devem ser acautelados no Estatuto. A necessidade dessa listagem ser, obrigatoriamente, revista de 5 em 5 anos, a exemplo de Espanha, evitando que a Região se veja condicionada pela sua taxatividade; a necessidade de, quanto a algumas matérias, se estabelecerem votações qualificadas na Assembleia Legislativa (v.g. a própria proposta de Estatuto, a lei eleitoral, a criação de autarquias, o regimento, etc.).
2- A iniciativa legislativa popular
A previsão estatutária da iniciativa legislativa popular, necessidade emergente dos tempos hodiernos terá a vantagem de trazer para a cena parlamentar a voz, a posição, a intenção directa do cidadão, fazendo-o olhar as instituições como um reflexo da sua vontade.
3- Os órgãos de governo próprio
Marcados na sua génese por planos muito restritos ao nível das suas competências ou ao nível da sua representatividade territorial, os órgãos de governo próprio vêem-se pressionados por novos desenvolvimentos das concepções políticas na modernidade. Na verdade, continua a não ser possível a criação de departamentos do Governo noutra ilha fora da tradicional tri-polaridade ou a realização de sessões plenárias da Assembleia fora da cidade da Horta. Por outro lado, a realidade tem mostrado que quer junto do Governo quer junto do Parlamento devem ser instituídos um conjunto de outros instrumentos de concertação, regulação e análise de cariz independente que forneçam elementos relevantes para a condução das políticas públicas. Falamos de provedores, observatórios para questões sociais, entidades independentes para questões financeiras ou entidades reguladoras para questões ambientais e do ordenamento. Também, não será demais lembrar à Assembleia que tem responsabilidades acrescidas no âmbito da pedagogia, doutrina e investigação dos princípios autonómicos, seja através do patrocínio e incentivo a actividades meritórias, seja pela constituição de observatórios ou fundações com esse propósito.
4- O estatuto dos cargos políticos
Menos políticos, melhores políticos e mais bem remunerados, é um desafio a cumprir. Urge estabelecer um número máximo de deputados na Assembleia; melhorar o regime das incompatibilidades, de modo a diminuir as fraudes políticas que são as candidaturas dos autarcas ou dos deputados regionais a nacionais e vice-versa; acabar com as zonas cinzentas dos conflitos de interesses; clarificar as suspensões dos mandatos para desempenho de cargos de nomeação política; profissionalizar o cargo de Deputado no pressuposto de que só assim os melhores estarão disponíveis para aceder às funções públicas; clarificar o estatuto dos cargos de nomeação política e dos cargos dirigentes da administração regional autónoma, reduzindo o seu número e aumentando as respectivas remunerações
5- As relações com a administração central
A decidida aposta na construção de relações de cooperação mais fluidas e estáveis é o caminho escolhido pelos sistemas políticos descentralizados mais avançados. A criação de estruturas formais de cooperação, seja com a Madeira seja com a administração central, através de Comissões Bilaterais e/ou Comissões Mistas Sectoriais, contribuirá para a necessária melhoria da nossa capacidade de auto-governo.
6- A projecção externa da Região
Nos termos das normas europeias e no respeito pela Constituição, a Região pode dispor de representação directa nos órgãos da União Europeia em todos aqueles assuntos que afectem o conteúdo das suas competências, por isso as administrações, central e regional autónoma, devem regular os sistemas de coordenação necessários que garantam a participação efectiva na elaboração, programação, distribuição e execução dos diferentes assuntos comunitários. Do mesmo modo, a Região deve poder passar a ter presença directa nos organismos internacionais cuja própria regulação de acesso e participação assim o permita, bem como solicitar ao Governo da República a celebração de tratados ou acordos internacionais em matérias do seu directo interesse, em especial, as derivadas da sua situação geoestratégica ou da sua condição de região insular europeia ultraperiférica. Por outro lado, o acesso aos benefícios decorrentes de tratados e acordos internacionais directamente respeitantes à Região ou que nela tenham reflexo só será pleno se a administração central delegar nos órgãos de governo próprio da Região as competências necessárias à boa execução desses acordos.
Finalmente, a Região deve promover a cooperação inter-regional no âmbito da União Europeia, mas, também, privilegiar relações com outras realidades regionais insulares e atlânticas, bem como desenvolver, com estas, uma política própria de solidariedade e de cooperação, consagrando a possibilidade de instalação de infra-estruturas no exterior, como uma estratégia que pode aliar-se à necessidade premente de promoção dos Açores e dos seus produtos.
7- A nova filosofia financeira
Ao Estatuto cabe uma função mais destacada na determinação do âmbito da autonomia financeira da Região. A reserva da Lei de Finanças Regionais em matéria financeira apenas recai sobre as relações financeiras entre a República e as regiões autónomas cabendo o possível alcance do regime financeiro da Região, pelo menos no que cabe ao regular exercício das suas competências e de gestão dos seus recursos, ao Estatuto.
Além disso, poder-se-ão prever fórmulas, posteriormente quantificáveis em sede de Lei de Finanças Regionais que combinem um modelo baseado numa nova filosofia de gestão tributária por parte da Região conjugado com um novo conceito de solidariedade inter-regional.
Conceber a autonomia financeira tendo como ponto de partida o montante global da despesa regional, e não das receitas próprias, não significa abdicar das ideias ou valores autonomistas, mas a clarificação de que as condições para nosso desenvolvimento são, hoje, diversas.
Ao longo das últimas semanas, com o beneplácito do Diário Insular, tenho vindo a maçar-vos com o que penso serem as prioridades para a revisão estatutária que se anuncia. Devo aqui confessar que vejo o nosso futuro Estatuto, tecnicamente diminuído, uma vez que após a revisão de 2004, deixou de ser qualificado na maioria das suas matérias. Foi um passo atrás. De qualquer forma, não entendo que tudo se resolve com e na Constituição. Pelo contrário, sendo a nossa Autonomia política, essa política também se faz de práticas. Daí entender que ao Estatuto cabe um papel de orientação, de clarificação, mas sobretudo, de potenciação da praxis autonómica. Guardei este artigo para alguns sublinhados e outras questões, que, parecendo menores, não deixam de merecer tratamento relevante. Peço-vos, pois, um último esforço para as seguintes dez prioridades:
1- As novas competências legislativas
A remissão expressa para o Estatuto de quais serão as matérias sobre as quais a Região terá competências legislativas e executivas impõe um redobrado cuidado e esforço no sentido da sua o mais completa discriminação. Ainda que sempre tenhamos defendido que melhor teria sido optar-se por uma listagem de competências e não de matérias, agora que o interesse específico e as leis gerais da República estão afastadas do horizonte interpretativo constitucional, vamos fazer fé que as competências reservadas aos órgãos de soberania sejam o único limite material ao pleno exercício autonómico e que o Estado Unitário não nos continue a ser lembrado e reforçado pelos senhores juízes conselheiros do palácio Ratton. Como as nossas reservas não nos tolhem a vontade, outros dois pontos devem ser acautelados no Estatuto. A necessidade dessa listagem ser, obrigatoriamente, revista de 5 em 5 anos, a exemplo de Espanha, evitando que a Região se veja condicionada pela sua taxatividade; a necessidade de, quanto a algumas matérias, se estabelecerem votações qualificadas na Assembleia Legislativa (v.g. a própria proposta de Estatuto, a lei eleitoral, a criação de autarquias, o regimento, etc.).
2- A iniciativa legislativa popular
A previsão estatutária da iniciativa legislativa popular, necessidade emergente dos tempos hodiernos terá a vantagem de trazer para a cena parlamentar a voz, a posição, a intenção directa do cidadão, fazendo-o olhar as instituições como um reflexo da sua vontade.
3- Os órgãos de governo próprio
Marcados na sua génese por planos muito restritos ao nível das suas competências ou ao nível da sua representatividade territorial, os órgãos de governo próprio vêem-se pressionados por novos desenvolvimentos das concepções políticas na modernidade. Na verdade, continua a não ser possível a criação de departamentos do Governo noutra ilha fora da tradicional tri-polaridade ou a realização de sessões plenárias da Assembleia fora da cidade da Horta. Por outro lado, a realidade tem mostrado que quer junto do Governo quer junto do Parlamento devem ser instituídos um conjunto de outros instrumentos de concertação, regulação e análise de cariz independente que forneçam elementos relevantes para a condução das políticas públicas. Falamos de provedores, observatórios para questões sociais, entidades independentes para questões financeiras ou entidades reguladoras para questões ambientais e do ordenamento. Também, não será demais lembrar à Assembleia que tem responsabilidades acrescidas no âmbito da pedagogia, doutrina e investigação dos princípios autonómicos, seja através do patrocínio e incentivo a actividades meritórias, seja pela constituição de observatórios ou fundações com esse propósito.
4- O estatuto dos cargos políticos
Menos políticos, melhores políticos e mais bem remunerados, é um desafio a cumprir. Urge estabelecer um número máximo de deputados na Assembleia; melhorar o regime das incompatibilidades, de modo a diminuir as fraudes políticas que são as candidaturas dos autarcas ou dos deputados regionais a nacionais e vice-versa; acabar com as zonas cinzentas dos conflitos de interesses; clarificar as suspensões dos mandatos para desempenho de cargos de nomeação política; profissionalizar o cargo de Deputado no pressuposto de que só assim os melhores estarão disponíveis para aceder às funções públicas; clarificar o estatuto dos cargos de nomeação política e dos cargos dirigentes da administração regional autónoma, reduzindo o seu número e aumentando as respectivas remunerações
5- As relações com a administração central
A decidida aposta na construção de relações de cooperação mais fluidas e estáveis é o caminho escolhido pelos sistemas políticos descentralizados mais avançados. A criação de estruturas formais de cooperação, seja com a Madeira seja com a administração central, através de Comissões Bilaterais e/ou Comissões Mistas Sectoriais, contribuirá para a necessária melhoria da nossa capacidade de auto-governo.
6- A projecção externa da Região
Nos termos das normas europeias e no respeito pela Constituição, a Região pode dispor de representação directa nos órgãos da União Europeia em todos aqueles assuntos que afectem o conteúdo das suas competências, por isso as administrações, central e regional autónoma, devem regular os sistemas de coordenação necessários que garantam a participação efectiva na elaboração, programação, distribuição e execução dos diferentes assuntos comunitários. Do mesmo modo, a Região deve poder passar a ter presença directa nos organismos internacionais cuja própria regulação de acesso e participação assim o permita, bem como solicitar ao Governo da República a celebração de tratados ou acordos internacionais em matérias do seu directo interesse, em especial, as derivadas da sua situação geoestratégica ou da sua condição de região insular europeia ultraperiférica. Por outro lado, o acesso aos benefícios decorrentes de tratados e acordos internacionais directamente respeitantes à Região ou que nela tenham reflexo só será pleno se a administração central delegar nos órgãos de governo próprio da Região as competências necessárias à boa execução desses acordos.
Finalmente, a Região deve promover a cooperação inter-regional no âmbito da União Europeia, mas, também, privilegiar relações com outras realidades regionais insulares e atlânticas, bem como desenvolver, com estas, uma política própria de solidariedade e de cooperação, consagrando a possibilidade de instalação de infra-estruturas no exterior, como uma estratégia que pode aliar-se à necessidade premente de promoção dos Açores e dos seus produtos.
7- A nova filosofia financeira
Ao Estatuto cabe uma função mais destacada na determinação do âmbito da autonomia financeira da Região. A reserva da Lei de Finanças Regionais em matéria financeira apenas recai sobre as relações financeiras entre a República e as regiões autónomas cabendo o possível alcance do regime financeiro da Região, pelo menos no que cabe ao regular exercício das suas competências e de gestão dos seus recursos, ao Estatuto.
Além disso, poder-se-ão prever fórmulas, posteriormente quantificáveis em sede de Lei de Finanças Regionais que combinem um modelo baseado numa nova filosofia de gestão tributária por parte da Região conjugado com um novo conceito de solidariedade inter-regional.
Conceber a autonomia financeira tendo como ponto de partida o montante global da despesa regional, e não das receitas próprias, não significa abdicar das ideias ou valores autonomistas, mas a clarificação de que as condições para nosso desenvolvimento são, hoje, diversas.
8- A reforma da administração
A adequação, legal e regulamentarmente, dos modelos organizativos da administração territorial regional à realidade arquipelágica e aos novos desígnios da modernidade político-administrativa é tão indispensável para uma maior racionalidade na utilização dos recursos públicos quanto para aumentar a eficiência do conjunto do desenho autonómico. Na perspectiva de criar melhores condições institucionais para a articulação de políticas de base territorial mas, também, para evitar que o próprio processo de desconcentração imposto pela administração central nos continue a provocar efeitos perversos, sugerem-se novos horizontes administrativos ligados às realidades de ilha e/ou inter-ilhas, acompanhados de novos modelos para a administração regional autónoma e para o seu funcionalismo público.
9- A transferência de competências
Não tem sido uso aproveitar as revisões estatutárias para estabelecer metodologias no plano das transferências de competências, e respectivos serviços, entre administração central e regional autónoma. Discordamos que assim continue a ser. A sua previsão estatutária permite uma estratégia na efectivação dessas transferências; elimina a discricionariedade da administração central, volúvel, consoante outros interesses; permite que a Região garanta a transferência, para a sua dimensão, das competências que sempre quis e deve assegurar.
No plano formal será exemplar a constituição de estruturas bipartidas que estabeleçam uma calendarização e a quantificação dos meios humanos, técnicos e financeiros que devam acompanhar essas transferências. Como exemplo lembramos competências e serviços como o instituto geográfico, meteorológico, as administrações financeiras, os serviços ligados à garantia e fomento agrícola, etc.
10- O domínio público e privado da Região
O problema da dominialidade é tão velho quanto a autonomia. Na verdade, questões que deveriam ter ficado resolvidos no primeiro Estatuto, ainda perduram e são elemento de embaraço e contradição entre a administração central e regional. Podemos referir a gestão do domínio público marítimo, inconcebivelmente afastada das competências regionais; o património construído que permanece no acervo estadual sem que se transfira a sua propriedade para a Região, conforme contínuos apelos. Surge esta oportunidade de clarificação. Uma fórmula que assegure que todo o património público e privado é da Região, podendo ser afecto, apenas, a competências de âmbito nacional, é uma revolução coperniciana. Do mesmo modo urge assegurar à Região a gestão e exploração de todo o seu território, incluindo domínio público marítimo, seja a orla costeira, sejam os fundos marinhos da sua área económica exclusiva. Acompanhando esse impulso deve promover-se a formalização de uma comissão bilateral que num prazo determinado proceda ao levantamento da totalidade do património móvel e imóvel a transferir.
Termino. Penso ter provado à saciedade que é desejável mudar algo. Ao longo destes dez artigos disponibilizei um acervo de diagnósticos que outros, igualmente, já haviam tornado públicos. Sem qualquer pretensão penso que ficaram algumas pistas para possíveis soluções. Resta-me esperar que quem integra os trabalhos de revisão também partilhe algumas destas preocupações. Votos de bom trabalho…para bem de todos nós!
Sé, 18 de Novembro de 2005
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