Cesariny, Mário (de Vasconcelos)
«Haverá gente com nomes que lhes caiam bem/…/ como assim Mário como assim Cesariny como assim ó meu deus de Vasconcelos?» (1). Tu, pintor e poeta português, nascido em 1923, em Lisboa, recebeste, há dias, a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. «É um prémio do 25 de Abril» no teu país onde «…agora a grande conquista é a liberdade “liberté liberté chérie” … mas depois parece que não temos muito jeito para governar ou para ser governados…os portugueses são um bocado suicidas!» (2). Mário «falta por aqui uma grande razão/uma razão que não seja só uma palavra/ou um coração/ ou um meneio de cabeças após o regozijo» (3).
Tu a real cabeça visível, primeiro, e a memória isolada, depois, de todo o surrealismo português, já que não abundam os testemunhos de outros companheiros de aventura que te possam contradizer, sempre negaste a possibilidade de qualquer tentativa de aproximação histórica ao surrealismo. Em teu favor sempre posso dizer que fundaste e dissolveste o Grupo Surrealista de Lisboa e escreveste «pode-se ser surrealista sem se ter lido Breton (…) pode-se não ser surrealista e prestar-se com isso excelente serviço a todos e ao surrealismo em especial» (4).
Na homossexualidade assumida «ontem/ às onze/ fumaste/ um cigarro/encontrei-te/sentado/ficamos a perder/todos os teus eléctricos/os meus/estavam perdidos/ por natureza própria» (1) fazes-te perseguido e preso pelo antigo regime.
Com a tua figura sempre inquieta e questionadora, «o navio de espelhos não navega, cavalga/…/quando chega à cidade/nenhum cais o abriga» (6) adoptas uma atitude estética de constante experimentação «Enquanto três camelos invadiam o aeroporto do cairo» (1).
Este princípio anárquico conduz a tua obra ao longo da vida «…é possível que a minha vida tenha dado cabo de mim, ou eu cabo de mim nela; o amor que tenho à vida fez-me sempre evitar dar cabo da vida dos outros…» (5).
A ironia, o humor e o absurdo marcam. A tua escrita, por vezes, violenta declara «entre nós e as palavras, os emparedados/E entre nós e as palavras, o nosso dever falar» (1).
«No país no país no país onde os homens são só até ao joelho» (3), em 2005, os teus pares, finalmente, te fazem justiça e recebes o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores. Pela «singularidade extrema» da tua estética, dizem.
Mas afinal «este é poeta ou é pintor, é pintor ou é poeta?» dizes-me que «a pintura é mais terapêutica … é um trabalho que aparece mais fora do nosso fígado ou dos rins ou do coração» (2).
És «um homem/ um poeta/uma máquina de passar vidro colorido» (1) que encontrou o amor «apresentar-te aos deuses e deixar-te entre sombra de pedra e golpe de asa/exaltar-te perder-te desconfiar-te/seguir-te de helicóptero até casa/dizer-te que te amo amo amo» (1).
Já não pintas nem escreves «…a mão não quer o que eu hei-de fazer, não é a mão é a cabeça, não é uma coisa que eu quisesse resolver, alguém resolveu dentro de mim…» (2).
Mário Cesariny de Vasconcelos para que é que a vida serve? «Não sei, serve para foder que é muito agradável e dá muito gozo. Serve para amar…e serve para morrer. Pronto!»(7)
(1) In Pena Capital. Assírio & Alvim, 1999
(2) Excertos de uma entrevista à Antena 1
(3) In Manual de Prestidigitação. Assírio & Alvim, 2005
(4) In A única real tradição viva – Antologia da poesia surrealista portuguesa, de Perfecto E. Cuadrado. Assírio & Alvim, 1998
(5) In Jornal do Gato. Assírio & Alvim, 2004
(6) In A Cidade Queimada. Assírio & Alvim, 2000
(7) In Verso de Autografia/Mário Cesariny. Assírio & Alvim, 2004
Tu a real cabeça visível, primeiro, e a memória isolada, depois, de todo o surrealismo português, já que não abundam os testemunhos de outros companheiros de aventura que te possam contradizer, sempre negaste a possibilidade de qualquer tentativa de aproximação histórica ao surrealismo. Em teu favor sempre posso dizer que fundaste e dissolveste o Grupo Surrealista de Lisboa e escreveste «pode-se ser surrealista sem se ter lido Breton (…) pode-se não ser surrealista e prestar-se com isso excelente serviço a todos e ao surrealismo em especial» (4).
Na homossexualidade assumida «ontem/ às onze/ fumaste/ um cigarro/encontrei-te/sentado/ficamos a perder/todos os teus eléctricos/os meus/estavam perdidos/ por natureza própria» (1) fazes-te perseguido e preso pelo antigo regime.
Com a tua figura sempre inquieta e questionadora, «o navio de espelhos não navega, cavalga/…/quando chega à cidade/nenhum cais o abriga» (6) adoptas uma atitude estética de constante experimentação «Enquanto três camelos invadiam o aeroporto do cairo» (1).
Este princípio anárquico conduz a tua obra ao longo da vida «…é possível que a minha vida tenha dado cabo de mim, ou eu cabo de mim nela; o amor que tenho à vida fez-me sempre evitar dar cabo da vida dos outros…» (5).
A ironia, o humor e o absurdo marcam. A tua escrita, por vezes, violenta declara «entre nós e as palavras, os emparedados/E entre nós e as palavras, o nosso dever falar» (1).
«No país no país no país onde os homens são só até ao joelho» (3), em 2005, os teus pares, finalmente, te fazem justiça e recebes o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores. Pela «singularidade extrema» da tua estética, dizem.
Mas afinal «este é poeta ou é pintor, é pintor ou é poeta?» dizes-me que «a pintura é mais terapêutica … é um trabalho que aparece mais fora do nosso fígado ou dos rins ou do coração» (2).
És «um homem/ um poeta/uma máquina de passar vidro colorido» (1) que encontrou o amor «apresentar-te aos deuses e deixar-te entre sombra de pedra e golpe de asa/exaltar-te perder-te desconfiar-te/seguir-te de helicóptero até casa/dizer-te que te amo amo amo» (1).
Já não pintas nem escreves «…a mão não quer o que eu hei-de fazer, não é a mão é a cabeça, não é uma coisa que eu quisesse resolver, alguém resolveu dentro de mim…» (2).
Mário Cesariny de Vasconcelos para que é que a vida serve? «Não sei, serve para foder que é muito agradável e dá muito gozo. Serve para amar…e serve para morrer. Pronto!»(7)
(1) In Pena Capital. Assírio & Alvim, 1999
(2) Excertos de uma entrevista à Antena 1
(3) In Manual de Prestidigitação. Assírio & Alvim, 2005
(4) In A única real tradição viva – Antologia da poesia surrealista portuguesa, de Perfecto E. Cuadrado. Assírio & Alvim, 1998
(5) In Jornal do Gato. Assírio & Alvim, 2004
(6) In A Cidade Queimada. Assírio & Alvim, 2000
(7) In Verso de Autografia/Mário Cesariny. Assírio & Alvim, 2004
In Suplemento de Cultura do Açoriano Oriental
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