domingo, janeiro 29, 2006

SENSO COMUM

Confesso que a recorrente, e histórica, angústia sobre a pista e os aviões na Base das Lajes indispõe-me quase tanto como a tese maquiavélica do controlo micaelense sobre os destinos económicos da Terceira. Como não sou, nem pretendo ser, um especialista em geoestratégia vou colocar as coisas no campo do senso comum.
A Base das Lajes
O senso comum diz-me que não se pode, em consciência, defender às segundas, quartas e sextas um reforço da actividade militar na Base das Lajes e às terças, quintas e sábados os benefícios das escalas técnicas da aviação civil. A ideia que pode transmitir esta rocambolesca ambivalência é que algumas pessoas com responsabilidades estão desesperadas quando ao futuro da Ilha sendo capazes de, por um punhado de dólares, sacrificar o bem-estar e a qualidade de vida colectivas. Se é do domínio público que a Base das Lajes sofreu um reforço da sua importância após o fim da Guerra-Fria tal deveria ser suficiente para uma reivindicação sólida em sede de eventual revisão do acordo luso-americano. As entidades americanas sabendo disso, e da intenção pública de se rever o acordo, fazem surgir no espaço público a hipótese de uma base de treinos. É a sua indicação de que para haver mudança os EUA teriam que ter novos benefícios militares. Ora, o que a Terceira tem que definir é, mais do que fugir para a criação de uma nova pista, o quer dessa sua estrutura fundamental. Se a quer condicionada por um punhado de dólares a uma base militar ou se a quer potenciar para as actividades civis. Ou seja, questão fundamental é, mais que a sua geostratégia militar, a avaliação da sua geostratégia civil. Para que actividades?
O turismo
O senso comum diz-me que a Terceira não pode concorrer, com São Miguel ou com as ilhas do Triângulo, como destino turístico. Tomaz Dentinho na sua coluna, na União de dia 18, colocava a coisas como elas são: "será que a Terceira tem capacidade para ser um destino turístico? Será que essa eventual aptidão é capaz de se tornar um dos motores de desenvolvimento da Ilha?". A minha resposta é negativa, pelo menos no sentido tradicional de destino turístico. Vou ser claro: a meu ver todas as tradições, classificações mundiais, belezas naturais e animações, diurnas ou nocturnas, não são suficientes para fazer do turismo uma opção válida para a Terceira. O que pode cá trazer alguém é uma opção definitiva por outro caminho. Formar um pólo de qualidade, investigação e tecnologia no meio do atlântico. Isto é, potenciar a geostratégia do conhecimento e dos serviços a ela ligados. Criar uma plataforma a quatro horas do centro da Europa e da costa leste americana. Onde estão os mercados.
A alternativa
O senso comum diz-me que a Terceira é a Ilha dos Açores com melhor pré-disposição para a internacionalização. Com os melhores índices de distribuição de riqueza, de escolaridade média e de ordenamento do território, a aposta da Ilha deve ser a da diferenciação pela qualidade como pólo de atracção da excelência no meio do atlântico. Esta opção assentaria na optimização das infra-estruturas já disponíveis. Destacamos a Universidade dos Açores que, com o seu pólo do Pico da Urze, deve assumir a vertente tecnológica como desígnio primeiro. E não estamos a cingirmo-nos ao campo das ciências agrárias. Falamos também do conhecimento tecnológico ligado aos recursos naturais da Região e à sua situação geográfica (v.g. ambiente, meteorologia, telecomunicações). Destacamos o seu aeroporto internacional, com uma vertente civil internacional assegurada, o porto oceânico e o parque industrial a minutos de distância. Não chega!? Dirão que faltam as mais valias decorrentes dos recursos naturais. Mas ao contrário do fatalismo insular entendo que a natureza nos foi madrinha, não madrasta. Olhemos o Mar. Sempre o Mar. Uma riqueza que continuamos a não querer, ou saber, explorar. O que aqui quero realçar é que um desígnio ligado ao Mar pode dinamizar um sector de serviços de apoio, bem como contribuir para o desenvolvimento de tecnologias e de empresas vocacionadas para a exploração económica de recursos marinhos. Vejamos pequenos exemplos:
a) Uma pequena empresa japonesa, a Koyo USA, extrai a água a mais de 600 metros de profundidade, dessaliniza-a, engarrafa-a e, depois, comercializa-a no Japão como a bebida mais pura e mais nutritiva existente na terra. Quatro outras empresas estão na calha e esperam, como a Koyo, conquistar um lugar no mercado americano de água engarrafada, no valor de 8,3 mil milhões de dólares;
b) A assinatura do memorando de entendimento do Governo da República com a AGNI. A AGNI é uma companhia com sede na Malásia, pioneira no desenho e produção de pilhas de combustível, tecnologias de processamento de hidrocarbonetos e tecnologias de hidrogénio. Essa empresa propõe-se realizar em Portugal um investimento numa fábrica e centro de Investigação e Desenvolvimento em tecnologias de hidrogénio. O investimento a realizar de forma faseada até 2009, envolverá, na totalidade, cerca de 60 milhões de euros e a criação de 220 postos de trabalho até 2013;
c) Duas equipas de cientistas conformaram que uma solução altamente salina é o tratamento mais simples, eficaz e barato para combater os efeitos da fibrose cística, uma doença genética que muitas vezes se revela mortal. A solução salina, em aerossol, ajuda a combater as lesões que a doença provoca nos pulmões. Isto deve-se ao facto da água com elevado teor de sal restabelecer a capa lubrificante que protege as vias respiratórias.
O senso comum
O senso comum indica que o significativo potencial natural de que a Região dispõe ao nível da geostratégia dos recursos justifica colocá-la no caminho da geostratégia do conhecimento. O senso comum mostra que a Terceira será uma Ilha capaz para promover essa internacionalização. O senso comum aconselha a que, mais que recorrentes angústias, se faça uma aposta em criar as condições e a definir um enquadramento que permita o desenvolvimento de uma indústria do conhecimento, fornecedora de bens e de serviços internacionalmente valorizáveis.
Isto no campo do senso comum, pois o bom senso confiamos estar com quem opina e decide.
Sé, 22 de Janeiro de 2006