domingo, outubro 10, 2004

CULTURA DE PARTICIPAÇÃO

COINCIDÊNCIAS.
Dia 15 pp, enquanto lia o apelo do Senhor Ministro da República à participação nas regionais desafiando os açorianos para que «a diminuição da taxa de abstenção seja um desiderato das eleições do próximo mês», a SicNotícias passava o «Eurorespostas», onde se abordava, de entre os esforços que têm sido feitos para suprir o déficite democrático das instituições europeias, o voto electrónico. Dia 16, Pacheco Pereira escrevia no Público sobre a «blogosfera»: “(...) uma revolução está em curso, principalmente no âmbito do sistema comunicacional, e, a partir daí, afectando os sistemas que lhe são próximos: a política nacional e local, a crítica literária e artística, a divulgação científica, entre outros”. Cruzaram-se-me a necessidade de participação e as novas realidades informáticas.
REGRESSO ÀS ORIGENS?
Depois da revolução da escrita e da revolução da imagem, entramos na era cibernética. A revolução informática teve o efeito da desconcentração de todos os meios e de todos os poderes. Que consequências para os centros de decisão? Paul Virilio dizia «a Internet será a pior das coisas antes de ser a melhor», nada mais natural, é uma oportunidade igual ao risco que representa. O tempo da memória do mundo ao alcance do teclado, da informação em tempo real, da interactividade permanente. Mas, a saturação pode vir um dia. A metamorfose da sociedade contemporânea será, assim, aquela que nós quisermos.A interactividade não é uma coisa nova e até agora, ela soube manter-se humana: rádio, tv, telemóvel, não há nada que não seja artesanal, ainda que já em diálogo. Seja qual for o futuro já deslizamos, sem dar por isso, da reactividade para a pró-actividade: abrir um blog na net, descarregar uma imagem, modificá-la, voltar a lançá-la, passamos de manipulados a manipuladores. Cada dia a nossa faculdade de intervenção acentua-se um pouco mais. Contudo, o discurso sobre estas novidades ultrapassa em muito a sua prática, o grande público não vê nela senão uma virtualidade tecnológica.Como é hábito as instituições políticas andam a tentar entender este filme. A sua crise, se já tão propalada, pode tornar-se irreversível. A autoridade decisora tornou-se demasiado distante, demasiado anónima, demasiado tecnocrata. Daí este arrebatador desejo de nos sentirmos co-autores ou pelo menos co-activos nas tomadas de decisão. O novo modelo proposto é uma alteração do status quo. De sujeito tornamo-nos em actor social de corpo inteiro. Cabe-nos a dupla função de emissor e de receptor, numa total liberdade de expressão, isenção de qualquer constrangimentos jurídico, social ou hierárquico, a interactividade é republicana, liberdade e igualdade são as sua leis. Ao entrarmos na «net» deixamos o título, a posição e os privilégios. Daí a minha opção, não pela «democracia cibernética», mas, pelo regresso às origens, à «democracia ateniense». A perspectiva sociopolítica tornou-se imensa, esta livre troca mediática oferece-nos a possibilidade de refundar a coesão social construída sobre exigências individualistas. Intervir é quebrar o isolamento do eleitor para lhe abrir as portas de uma cidadania responsável; é passar da opinião, essencialmente reactiva, do boletim de voto à expressão de um julgamento público consensual e elaborado. Mas transformar o voto, esse acto ritual e cívico, num gesto virtual, se mais eficaz para a participação sê-lo-á para o empenhamento?
PREMISSAS DE UM FUTURO PRÓXIMO.
É tentadora a ideia de consulta contínua do povo - nos EUA as mini-sondagens (mini-polls) são o «pão nosso de cada dia», candidatos, eleitos, partidos, instituições e associações fazem-no, os lobbies usam a net como factor de pressão e de formação da opinião pública. Os eleitos têm páginas pessoais que alimentam, diariamente, procurando inter-agir com o seu eleitorado -, mas o sistema não pode funcionar a menos que o Estado se mostre capaz de criar a dialéctica que é intrínseca na informática. Há que procurar algumas premissas: 1) O dever de resposta. Os nossos políticos podem apenas ver nesta abertura tecnológica um barómetro constante de opinião, guia das suas aparições públicas, mas o cidadão cibernauta espera uma resposta de volta e, para além disso, um reconhecimento, uma representação de si num mundo anónimo. O voto electrónico, se vier a ser adoptado (e não pode deixar de o ser) será o incentivo a um diálogo permanente. A organização da consulta interactiva será menos onerosa que a consulta clássica, mas a gestão das respostas não será fácil. Terá de ser rápida, concreta e eficaz. Já não bastará falar alto e forte, mas sim responder rápida e claramente a uma opinião que já não será pública mas sim electrónica. 2) A obrigação de transparência. A depuração do discurso. Perigoso para os nossos governantes seria considerar a interactividade cívica como um simulacro de escuta. As respostas cinzentas já não serão adequadas. Só pedagogia sincera com os seus «porquês» e os seus «porque-não» satisfará o eleitor. 3) A reinvenção da acção política institucional. Os organismos intermédios, que normalmente funcionam como correias de transmissão, deixaram de ter razão de existir (já vejo os sindicatos com os cabelos em pé). O eleito já não poderá utilizar os porta-vozes, mais ou menos representativos, transforma-se em operacional e redescobre os bálsamos da proximidade e da subsidiariedade. 4) O empenhamento pessoal. O eleito descobrirá em directo as expectativas do seu eleitorado. A sua sobrevivência dependerá dos seus reflexos. Uma evolução com dois gumes: no activo, o envolvimento do eleitor finalmente remobilizado para as res publica; no passivo, o risco de ligeireza do «democrata quotidiano».
E NÓS POR CÁ?
Os órgãos de governo próprio da Região apresentam estádios larvares. A Assembleia Regional tem uma página na internet? Tem (www.alra.pt), mas não é bilingue! Tem bases de dados disponíveis? Tem, mas incompletas (onde estão os dados de 76 a 1996?). Tem espaços de interactividade política? Não! Os Deputados têm caixas de correio electrónico? Têm, mas não são divulgadas! Tem havido discussão pública de documentos por via electrónica? Não, salvo o diploma da Zona Classificada da Angra do Heroísmo onde se cumpriu todo o processo de participação pública, democrática, aberta e transparente, tal como o desenha a modernidade. É muito pouco, na Assembleia da República, já se disponibilizam fóruns de debate virtuais para discussão pública de diplomas e, acreditem, já existe um «blog» parlamentar para interacção entre Deputados e cidadãos. O Governo Regional tem um sítio electrónico com as informações basilares (www.azores.gov.pt); alguns departamentos têm bases de dados em constante disponibilidade (e também não quero crer que vão desaparecer); o Jornal Oficial electrónico foi uma grande vitória face a algumas «vistas curtas» do Parlamento; a rede integrada de apoio ao cidadão (www.riac.gov.pt) é um instrumento importante, mas de relacionamento administrativo e não de interacção política. A solução tem de passar pelo anunciado portal do Governo onde se deverão incluir espaços para a interactividade política e de auscultação do cidadão-eleitor, sem que signifique a institucionalização dos protestos, mas sim alcançar uma melhor concepção das políticas com base na consulta prévia e na experiência do passado.O Ministro da República para os Açores, nem página electrónica tem, ao contrário do seu homólogo da Madeira (http://www.ministrodarepublica-madeira.pt/).
O REFORÇO DA PARTICIPAÇÃO.
A legitimidade dos órgãos de governo próprio passou a depender da participação e do empenhamento. Tal significa que o modelo linear em que as políticas são da exclusiva responsabilidade dos dirigentes deve ser substituído por um círculo virtuoso, baseado nas reacções dos interessados, nas redes e na participação a todos os níveis, desde a elaboração das políticas até à sua aplicação. A democracia depende da capacidade dos cidadãos participarem no debate público. Para o efeito, devem ter acesso a uma informação fiável sobre os assuntos regionais e poder acompanhar o processo político ao longo das suas diferentes fases. As instituições necessitam também de seguir estratégias de comunicação mais activas junto do grande público sobre os assuntos regionais. A política de comunicação das instituições deve envidar esforços para fornecer informações a nível regional e local, sempre que possível utilizando redes, organizações de base e autoridades nacionais, regionais e locais. As tecnologias da informação e da comunicação têm, necessariamente, um importante papel a desempenhar. Desta forma, os sítios electrónicos da Assembleia e do Governo Regional, devem tornar-se em plataformas interactivas de informação, de apresentação de reacções e de debate, ligando redes semelhantes em toda a União Europeia.
UM PASSO SEGURO.
Contrariamente às Europeias não haverá qualquer teste para votar electronicamente nas eleições regionais de dia 17. Mas, se há zona do país onde a votação electrónica é justificável é na Região. Já repararam no inconcebível, à falta de mais suave adjectivo, percurso administrativo a que os deslocados têm de se sujeitar para exercerem um direito? Um passo seguro na procura da legitimação plena pelo universo eleitoral das políticas do Estado, é o da votação electrónica (na Grã-Bretanha já se vota por telemóvel e não me consta que a democracia esteja periclitante). Fica aqui, pois, um desafio para que se procedam a testes parciais no referendo ao tratado constitucional europeu, ou nas autárquicas ou presidenciais que se avizinham, a um teste global nas legislativas de 2006, e que, em 2008, a Região tenha o voto electrónico plenamente integrado na realidade política regional, e estejam neutralizados os «velhos do Restelo». A bem da participação, claro!