VENTOS CRUZADOS
A elaboração da «Cláusula da Cidadã Europeia mais favorecida» está a revelar-se como uma iniciativa inovadora que poderá vir a ser uma das modalidades prioritárias na construção da «Europa dos Cidadãos», podendo ultrapassar as críticas da generalidade dos eurocépticos a respeito da regulação europeia, como demasiado técnica ou regressiva em matéria de direitos sociais.
A história é simples: a fim de anular as desigualdades de tratamento entre mulheres que pertencem à mesma entidade política (a União Europeia), uma vasta equipa - juristas, advogadas, sindicalista, etc… - estudou as diferentes legislações em vigor nos estados-membros, em matéria de direitos das mulheres, conseguindo reunir, na «Cláusula da Cidadã Europeia mais favorecida», as leis mais progressistas em cada domínio, de modo a apresentar um pacote legislativo uniforme que se aplicasse a todas as mulheres da União (*).
Comparar as leis dos diversos estados-membros deve ser uma primeira etapa de qualquer projecto normativo, quer no âmbito europeu quer nacional, quer regional: o raciocínio é procurar a legislação existente que melhor protege os direitos em questão. Trata-se da busca do princípio geral da harmonização por cima. Curioso é verificar que a aplicação da Cláusula da Nação mais favorecida, consensual para os estados-membros em alguns domínios do comércio, mostra que pode haver uma harmonização internacional desde que haja vontade política. É deste modo que, a harmonização social entre os diferentes estados-membros poderá ser conseguida, já que prometida desde 1992, com Maastricht, e, agora, renovada com o Tratado de Lisboa. O que está, no fundo, em causa, é este princípio poder ser estendido a outras reivindicações no campo dos direitos, liberdades e garantias.
Mais recentemente, têm vindo a público novas intenções por parte das instituições europeias de quererem olhar de um modo sério para a «Europa dos Cidadãos». E sério significa dar passos concretos além das intenções formais consagradas em tratados ou comunicações.
Por exemplo, a saúde na Europa está a assumir um carácter "transfronteiriço" e, por conseguinte, a UE teve de deliberar sobre a forma de desenvolver e codificar a mobilidade e a segurança dos doentes e de encorajar a cooperação transfronteiriça. O Parlamento Europeu já aprovou um programa de acção sobre saúde pública da UE para 2008 2013, que inclui os objectivos do PE para reduzir as desigualdades na área da saúde, bem como a promoção dos cuidados transfronteiras e a mobilidade dos doentes e dos profissionais da saúde. A pedido do Parlamento, a Comissão apresentará uma proposta sobre os serviços de saúde, focando especificamente a mobilidade dos doentes entre os Estados-Membros e os direitos dos doentes.
Recentemente, a Comissão Europeia propôs um programa de distribuição gratuita de frutas e legumes nas escolas dos 27 estados-membros para assegurar uma alimentação saudável para lutar contra a obesidade e problemas de saúde graves e promover junto dos jovens "hábitos alimentares saudáveis" que têm tendência a manter-se ao longo da vida. Segundo dados da Comissão, cerca de 22 milhões crianças da UE têm excesso de peso, mais de cinco milhões das quais são obesas, devendo este valor registar um aumento de 400 mil por ano. Bruxelas previu um co-financiamento europeu no valor de 90 milhões de euros anuais que permita garantir a compra e distribuição nas escolas de frutas e legumes frescos, sendo esta verba completada por financiamentos nacionais nos estados-membros que optarem por participar no programa.
Finalmente, relembro que a Comissão Europeia também propôs a passagem para a taxa reduzida de IVA da restauração, alguns serviços de trabalho intensivo e produtos de higiene absorventes, o que inclui as fraldas de bebé.
A todas estas vertentes “só” falta a certeza de que a «Europa dos Cidadãos» não tem medo dos cidadãos da Europa. Só uma legitimação democrática das instituições europeias garante ventos favoráveis à sua construção. Até lá, continuaremos a sofrer ventos cruzados entre as palavras e os actos.
(*) À Conquista de Direitos comuns. O melhor da Europa para as mulheres, in Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), Maio 2008
Angra do Heroísmo, 22 de Julho de 2008
A história é simples: a fim de anular as desigualdades de tratamento entre mulheres que pertencem à mesma entidade política (a União Europeia), uma vasta equipa - juristas, advogadas, sindicalista, etc… - estudou as diferentes legislações em vigor nos estados-membros, em matéria de direitos das mulheres, conseguindo reunir, na «Cláusula da Cidadã Europeia mais favorecida», as leis mais progressistas em cada domínio, de modo a apresentar um pacote legislativo uniforme que se aplicasse a todas as mulheres da União (*).
Comparar as leis dos diversos estados-membros deve ser uma primeira etapa de qualquer projecto normativo, quer no âmbito europeu quer nacional, quer regional: o raciocínio é procurar a legislação existente que melhor protege os direitos em questão. Trata-se da busca do princípio geral da harmonização por cima. Curioso é verificar que a aplicação da Cláusula da Nação mais favorecida, consensual para os estados-membros em alguns domínios do comércio, mostra que pode haver uma harmonização internacional desde que haja vontade política. É deste modo que, a harmonização social entre os diferentes estados-membros poderá ser conseguida, já que prometida desde 1992, com Maastricht, e, agora, renovada com o Tratado de Lisboa. O que está, no fundo, em causa, é este princípio poder ser estendido a outras reivindicações no campo dos direitos, liberdades e garantias.
Mais recentemente, têm vindo a público novas intenções por parte das instituições europeias de quererem olhar de um modo sério para a «Europa dos Cidadãos». E sério significa dar passos concretos além das intenções formais consagradas em tratados ou comunicações.
Por exemplo, a saúde na Europa está a assumir um carácter "transfronteiriço" e, por conseguinte, a UE teve de deliberar sobre a forma de desenvolver e codificar a mobilidade e a segurança dos doentes e de encorajar a cooperação transfronteiriça. O Parlamento Europeu já aprovou um programa de acção sobre saúde pública da UE para 2008 2013, que inclui os objectivos do PE para reduzir as desigualdades na área da saúde, bem como a promoção dos cuidados transfronteiras e a mobilidade dos doentes e dos profissionais da saúde. A pedido do Parlamento, a Comissão apresentará uma proposta sobre os serviços de saúde, focando especificamente a mobilidade dos doentes entre os Estados-Membros e os direitos dos doentes.
Recentemente, a Comissão Europeia propôs um programa de distribuição gratuita de frutas e legumes nas escolas dos 27 estados-membros para assegurar uma alimentação saudável para lutar contra a obesidade e problemas de saúde graves e promover junto dos jovens "hábitos alimentares saudáveis" que têm tendência a manter-se ao longo da vida. Segundo dados da Comissão, cerca de 22 milhões crianças da UE têm excesso de peso, mais de cinco milhões das quais são obesas, devendo este valor registar um aumento de 400 mil por ano. Bruxelas previu um co-financiamento europeu no valor de 90 milhões de euros anuais que permita garantir a compra e distribuição nas escolas de frutas e legumes frescos, sendo esta verba completada por financiamentos nacionais nos estados-membros que optarem por participar no programa.
Finalmente, relembro que a Comissão Europeia também propôs a passagem para a taxa reduzida de IVA da restauração, alguns serviços de trabalho intensivo e produtos de higiene absorventes, o que inclui as fraldas de bebé.
A todas estas vertentes “só” falta a certeza de que a «Europa dos Cidadãos» não tem medo dos cidadãos da Europa. Só uma legitimação democrática das instituições europeias garante ventos favoráveis à sua construção. Até lá, continuaremos a sofrer ventos cruzados entre as palavras e os actos.
(*) À Conquista de Direitos comuns. O melhor da Europa para as mulheres, in Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), Maio 2008
Angra do Heroísmo, 22 de Julho de 2008
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