domingo, junho 01, 2008

MAIS…

Num tempo de plástico mais que orgânico, de tecnologia mais do que coração, de carreira mais do que vocação, que se quantifica mais que qualifica, que olha fins mais que princípios, que consome mais do que respira, que fala de meios sem saber de valores, eis-me sem montada, elmo ou armadura, crente das ideias e da vontade, servidor de senhor nenhum senão da minha terra. Filho legítimo de uma Europa alargada pelo Atlântico que mostrou a universalidade dos valores da dignidade humana, liberdade, igualdade, solidariedade e da justiça, digo-vos que os Açores que eu quero para o século XXI, são os que já não chegam tarde. Quero que as “nove manchas vulcânicas que polvilham o porta-aviões açoriano”, de novo, integrem os mapas, que sejam porto de garantia, de chegada ou de partida, apenas, para “novas rotas de uma cidadania moderna, menos formal mas exigente, centrados no homem, reclamando, responsavelmente, o direito de se afirmar como sujeito e autor do seu próprio destino” (1). Mais mundo nos Açores, mais Açores no mundo. É, pois, para mim, sempre tempo para falar de valores, primeiro que de medidas. Valores que atravessam o pensamento crítico de uma nova geração e que permanecem vivos perante o jogo de forças que intervém nos processos de crescimento e da globalização. Uma geração que exige constante vigilância em nome da garantia de princípios inegociáveis como os da responsabilidade e livre iniciativa, legitimação e proximidade democrática dos órgãos de decisão política nos vários níveis de poder, inclusão social e redução das desigualdades, preservação da diversidade, do património natural e construído.
Reclamo este tempo para os valores. Valores para uma 4.ª Autonomia. Valores para um futuro com presente. Com liberdade, enquanto autonomia ética do homem, onde se mistura a liberdade natural com a justiça perfeita. Com autonomia política progressiva, numa constante tensão dialéctica entre os três níveis de administração (central, regional e local), entre o público e o privado, numa dinâmica democrática e legitimada, em todos os sentidos, onde outros princípios estruturantes se destacam: o da lealdade institucional recíproca (garante de cooperação e coordenação) e o da subsidiariedade (a aceitação da prossecução do interesse público pelo indivíduo e por corpos sociais intermédios, sejam eles as autarquias locais da Região mas, também, a família, as comunidades religiosas, os sindicatos, as associações empresariais, os partidos políticos, as universidades, etc…). Com solidariedade, porque falar da “pátria açoriana”, é falar de Espírito Santo, de coesão social e territorial, de emigração e imigração, de integração e tolerância. Com sustentabilidade, pilar transversal para políticas públicas que promovam o desenvolvimento fundado na utilização ética dos recursos garantindo a solidariedade inter-geracional.
Aqui, o que se pede, hoje e agora, neste século XXI, é que estes Açores europeus, atlânticos e universais, continuem a dar o seu contributo para que o espaço lusófono se alargue, em permanente “transnacionalização”, ajudando à consolidação de quatro contratos globais (2): o contrato para as necessidades globais – remover as desigualdades pela solidariedade – o contrato cultural – tolerância e diálogo de culturas – o contrato democrático – autonomia e subsidiariedade como princípios estruturantes da democracia enquanto governo global – o contrato com o planeta – através da promoção do desenvolvimento sustentado e da solidariedade inter-geracional. Reclamo o tempo dos Açores para os valores universais, falem-me, depois, em medidas!

(1) Laborinho Lúcio, In Discurso no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Ed. Ministro República para os Açores, 2004
(2) Gomes Canotilho, Rever ou romper com a Constituição dirigente? In “Brancosos” e Interconstitucionalidade – Itinerários dos Discursos sobre a Historicidade Constitucional. Ed. Almedina, 2006


Sé, 27 de Maio de 2008

Publicado no Diário Insular a 01.06.08 e no Correio dos Açores a 03.06.08