domingo, junho 29, 2008

MÃOS CHEIAS

A forma como os governos trabalham e enquadram a fiscalidade é para alguns teóricos da governação indício sobre a respectiva programática para o desenvolvimento. Outros, tendem a simplificar todo esse universo atribuindo categoricamente às políticas de direita uma menor carga fiscal com finalidades de dinâmica económica e às de esquerda um acentuar das tributações individuais, com intenções socialmente redistributivas. Contudo, actualmente, haverão poucos exemplos perfeitos de ambos os paradigmas. Porque os estados mais fiscalmente liberais assumem a sua limitações endógenas para as problemáticas da saúde e da segurança social (veja-se, há 10 anos, a mudança de paradigma no Reino Unido, veja-se, hoje, o tema padrão na campanha eleitoral das eleições para a presidência dos Estados Unidos), porque a social-democracia nórdica vem sendo, aos poucos, mitigada na sua pureza por insuficiências orçamentais decorrentes do envelhecimento populacional. Além disso, muitas outras variáveis entraram em campo no governo das nações democráticas. Por exemplo, na União Europeia, a moeda única, o pacto de estabilidade e crescimento, ou, a nível global, a subida de preços dos combustíveis e dos bens alimentares, constituem-se como uma frente agressiva que impõe a qualquer governo progressista algo mais do que uma abordagem tradicional a esta vertente da governação.
Nos Açores as competências autonómicas sobre fiscalidade, no seu núcleo fundamental dos impostos sobre as pessoas individuais e colectivas e impostos sobre o consumo, foram uma conquista da Lei de Finanças de 1998. É assim que desde 1999 a Região tem tido taxas de IRS, IRC e de IVA substancialmente inferiores às nacionais. Curiosamente, a justificação para essa redução não esteve tanto nas tradicionais abordagens de mais dinâmica económica ou mais justiça redistributiva, mas, sobretudo, na construção de um instrumento competente para fazer face aos custos da insularidade para os cidadãos e empresas da Região. Ou seja, o factor insularidade foi determinante, quase exclusiva, para a opção fiscal dos últimos 10 anos. Entendo, no entanto, olhando a Região de hoje, que se tornou urgente considerar as recentes variáveis decorrentes da nossa integração no mundo globalizado, conjuntamente com outras decorrentes das nossas próprias idiossincrasias, procurando soluções e orientações para a fiscalidade nos Açores nos próximos 10/20 anos. Primeiro, a promoção das potencialidades da fiscalidade para o amortecimento do agravamento das condições económicas e sociais dos mais desfavorecidos face aos aumentos dos produtos de primeira necessidade (um primeiro sinal na recente proposta do Governo Regional), seja na segurança social, seja no âmbito da saúde, e, em especial, em favor das famílias numerosas evitando, a longo prazo, o envelhecimento dos activos. Segundo, a perspectivação de que a discriminação fiscal deve ser feita, não só, no campo da coesão social mas, também, ao nível da coesão territorial, uma particularidade muito açoriana, numa sequência integrada de políticas que evitem a desertificação assegurando e atraindo investimento e população para as ilhas, justificadamente, mais carenciadas. Terceiro, a descomplexada afirmação das políticas fiscais como nova alavanca para os pilares do desenvolvimento sustentável, no âmbito dos impostos directos, com discriminações positivas em investimentos nas área do ambiente e energias renováveis, ordenamento do território, incluindo as áreas florestais e agrícolas, reabilitação da orla costeira, investigação e tecnologia, em especial ligadas ao mar e recursos marinhos e à diversificação agrícola, mas, sobretudo, no emaranhado de impostos indirectos e taxas que enquadram todas as iniciativas e licenciamentos que se desenvolvam nessas áreas. Quarto, o enquadramento formal do mecenato cultural, desportivo, científico e ambiental enquanto catalisador de dinâmicas orgânicas fundamentais na solidificação de qualquer comunidade em desenvolvimento. Quinto, a concretização do conjunto de incentivos e discriminações fiscais, já previstos ou a prever, destinados à protecção e valorização do património cultural açoriano, seja edificado, móvel ou imaterial. Sexto, a afirmação de que a fiscalidade no arquipélago não pode ser assumida, tão só, no plano executivo regional, devendo ser consensualizada e coordenada com as competências fiscais das autarquias locais, ao nível das respectivas taxas e derramas. Sétimo, e último, por agora, a consciencialização de que uma política fiscal nos Açores não pode ser independente da construção, pela regionalização, da respectiva máquina tributária, que quanto a nós, trará, sempre, mais potencialidades, especialmente na área da fiscalidade social, do que preocupações.
Sete formas de apostar em mãos cheias de futuro, afastando as “oferecidas” mãos cheias de nada, à atenção dos respigadores do regime.

Ponta Delgada, 25 de Junho de 2008