segunda-feira, julho 14, 2008

UM ACTO FALHADO?

Chamam-lhe um Estado Unitário com regime semi-presidencial, e não há revisão constitucional com incidência nas autonomias que o modifique. Este tem sido o princípio e o fim de todas as lutas e querelas autonómicas dos últimos 33 anos. Eis o enredo do último acto: O Povo Açoriano (105 567 – cento e cinco mil, quinhentos e sessenta e sete votantes nas eleições de 2004), em número de 100% dos seus representantes partidários com assento na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, e fora dela, elaborou uma Proposta de revisão do Estatuto Político-Administrativo, qualificada de "Carta Autonómica", auto-adjectivada de “ambiciosa”, e remeteu-a para aprovação da Assembleia da República. Era um documento politicamente unânime e todos juraram cumprir a Constituição! O Povo Português (5 712 427 – cinco milhões setecentos e doze mil e quatrocentos e vinte e sete votantes, a nível nacional, nas eleições de 2005), em número de 100% dos seus representantes partidários com assento na Assembleia da República, aprovou, por aclamação, a 11 de Junho, uma Proposta de Estatuto Político-Administrativo para a Região Autónoma dos Açores e remeteu-a, a 3 de Julho, para ratificação do Presidente da República. Era um documento politicamente unânime e todos juraram cumprir a Constituição! O Presidente da República, também representante do Povo Português (2 746 689 – dois milhões setecentos e quarenta e seis mil e seiscentos e oitenta e nove votos a nível nacional, e 45 065 – quarenta e cinco mil e sessenta e cinco votos na Região), e de alguns "juristas", que não representam povo algum, enquanto “guardião” da Constituição, que jurou "cumprir e fazer cumprir", enviou, a 4 de Julho, a dita Proposta para o Tribunal Constitucional, para averiguação da constitucionalidade de diversas normas, avisando, conforme despacho assinado com o seu punho "tremulamente autonómico", que o fazia "sem prejuízo da existência de reservas de natureza político-institucional relativamente a outras disposições daquele diploma". A 3.ª revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, em 24h, deixou de ser politicamente unânime e conforme a Constituição! Conclusão: a Constituição é, seguramente, para os juristas e, eventualmente, para o Povo.
Contudo, mais grave que o eventual futuro Veto Presidencial é, para bom entendedor, a constatação de que uma revisão constitucional ordinária de 2009, na parte das autonomias, com este Presidente da República, também, estará morta. E morta da pior maneira, por confronto político-institucional! Chamo a atenção para o sublinhado que o Presidente faz quanto às "reservas de natureza político-institucional relativamente a outras disposições daquele diploma" que indiciam, sem segundas interpretações, que há questões políticas, sustentadas em interpretações exclusivamente pessoais do papel reservado às autonomias no sistema político institucional português, que sustentarão o seu veto político a alguns artigos. Mais, o que tanto incomodou Cavaco Silva para que não utilizasse a promulgação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores como tampão político suficiente para notificar ao “torpor” madeirense que a revisão de 2004 poderia ser cumprida sem sobressaltos? Falou mais alto o preconceito do que a estratégia? Talvez não. Considerando a conjuntura nacional e internacional, confiará o Presidente, e os seus “peões”, que o país político, mas sobretudo o Povo Português, virará, de novo, costas à dupla Açores/Madeira? Talvez sim, mas quão grande é o erro em que, continuamente, laboram esses senhores, defensores de um insustentável Estado controleiro e centralista, quando teimam em não perceber que o bem para a Autonomia dos Açores é o bem para Portugal. Talvez, hoje, alguns açorianos, entendam porque é que, em 2006, continuei a não votar em Cavaco Silva, pois, como qualquer pessoa de bom-senso, com conhecimento nestas matérias, sempre calculei que a sua peneira autonómica tivesse rede fina. Não prevejo um fim feliz, e espero não ter de me perguntar, daqui a 25 dias (prazo para pronúncia do Tribunal Constitucional), sobre o valor das concessões, em nome de uma unanimidade que, pelo que se lê, foi ineficaz. O Povo Açoriano tem sido paciente com os seus representantes, até um dia…

Ponta Delgada, 07 de Julho de 2008