domingo, fevereiro 04, 2007

REFERENDO – LADO B

Pode um referendo aprofundar a democracia? Questione-se comigo e com José Joaquim Gomes Canotilho (Prémio Pessoa - 2003) (1):
Se o referendo é um instrumento típico da democracia semidirecta então a democracia representativa está a assumir a sua imperfeição e a procurar soluções noutros modelos.
Na democracia directa o povo exerce de forma permanente o poder político. Esse carácter de «permanência» no exercício do poder distingue-se do de «latência» que a democracia representativa «oferece» de 4 em 4 anos. O que se procura é não perder, no contexto comunicativo actual, a matriz genética da democracia.
Nas décadas de 60 e 70 reforçou-se o sentimento da existência uma nova categoria de cidadãos – cidadãos críticos/insatisfeitos – que sugeriam novas formas de participação. Em reacção à realidade democrática clássica do hiperpartidarismo, as novas fórmulas de democracia semidirecta rejeitam, igualmente, soluções plebiscitárias ou personalistas impostas pelas elites e “comités de influência”.
Ao recorrer ao referendo o que se deseja é “aumentar a participação popular, reforçar a democracia deliberativa e impulsionar a dimensão comunicativa da democracia”. Será este capaz de contribuir para diminuir o volume de críticas ao sistema político e reabilitar a confiança nas suas instituições?
O referendo pode dar uma maior visibilidade do poder e transparência na tomada de decisões que vinculam o colectivo. Contudo, a, simples, interpretação do instituto referendário como uma segunda câmara de reflexão ou de controlo à produção de legislação (como nas experiências portuguesas) dificilmente constituirá melhorias no processo democrático. Para tanto seria necessário: que ao «suporte social da democracia directa», a nós, ao povo, se não ligasse uma estratificação (para alguns social): os críticos com diminuto interesse e participação política; os críticos com interesse permanente, formação sólida e conhecimento das regras políticas - o «não voto» referendário, vulgo abstenção, é a negação do objectivo primeiro; que a sociedade portuguesa não se compusesse de sistemas (político, económico, jurisdicional) funcionalmente diferenciados e antes fosse uma sociedade fundamentalmente política no sentido de que tudo se discute, se questiona, se decide – tudo é «politicamente aberto». Por alguma razão o país, desde 97, conta por dois os referendos nacionais, tal como desconhece a sua real implementação local, e a Região continua distante dessas «modernidades», por omissão de regulação (outra obrigação estatutária), dispensadas, talvez, pela sensação de que “aqui tudo é mais próximo” [(Re)lembrem-se, no entanto, esses «teóricos» que o referendo também pode desempenhar funções de equilíbrio territorial entre regiões populosas e regiões demograficamente desertificadas, regiões ricas e regiões pobres].
Ora, se tudo isto é certo, como parece querer ser, sabendo-se, igualmente, que os referendos de iniciativa popular são os que originam maiores taxas de participação, os referendos que surgem do sistema político-partidário, tenderão a ser, sempre, inevitavelmente, qualificados de: “meros plebiscitos, através dos quais os governos, e as maiorias que os apoiam, se limitam a confirmar e demonstrar o apoio popular previsível a uma sua medida política” ou “meros meios de desresponsabilização política, através dos quais se transfere para os eleitores a decisão sobre temas sensíveis” (2). Já Bento de Espinoza nos avisava: “Os homens enganam-se quando se julgam livres”. Será? Por via das dúvidas, dia 11, vote.

(1) “Pode o referendo aprofundar a democracia”, In “Brancosos” e Interconstitucionalidade – Itinerários dos Discursos sobre a Historicidade Constitucional. Ed. Almedina, 2006
(2) Um presente avariado, Pedro Magalhães. In Público (07.01.29)

Sé, 29 de Janeiro de 07