domingo, janeiro 28, 2007

INDEPENDÊNCIAS

Há um frenesi na comunicação social nacional (nada de novo), em torno das entidades independentes. Para os incautos e desinformados, estas já fazem caminho, no nosso ordenamento, há alguns anos.
A área de intervenção das entidades administrativas independentes, como entre nós são qualificadas, pode ser tão variada quanto os poderes de que são munidas: de regulação, simples observação, de autoridade, fiscalização e para-jurisdição. Geralmente, quanto mais forte é a sua ligação à área económica maiores os poderes de autoridade, porque afinal vivemos o tempo do mercado, algo que bem se verifica na diferenciação nacional entre as que tratam as matérias de energia, de concorrência ou do mercado de valores e as que regulam o acesso a documentos administrativos, dados pessoais ou o sector da comunicação social.
Mas nada disto é invenção de iluminados do Terreiro do Paço, a heterogeneidade de modelos funda-se quer na História quer no que as doutrinas do Estado procuraram ir desenhando ao longo dos tempos. No século XIX, os Estados Unidos, sempre na vanguarda dos novos movimentos administrativos, sentiram necessidade de estabelecer alguma regulação em áreas económicas poupando as funções tradicionais do Governo a uma intervenção no mercado. A novidade estava, não só, na sua criação fora do desenho do executivo, como no facto de não estarem sujeitas a tutelas de mérito e de superintendência. Na Europa dos anos 80, com Thatcher, o Reino-Unido desenvolveu, também, na área económica, agências reguladoras independentes que se caracterizaram pela ausência de tutela, pela inamovibilidade dos seus membros e pelos recursos financeiros próprios. Na Alemanha surge o Bundesbank (Banco Central Alemão) e na França um conjunto de organismos autónomos de defesa e garantia de certas liberdades.(*)
Ou seja, se algumas derivaram da própria concepção política do Estado, vejamos as do EUA, e mais tarde no UK, que crescem pela mão liberal da não intervenção da administração nas leis do mercado, outras surgem quer pelo sentimento de que o interesse público deve ser defendido dos interesses político-partidários fragmentados e circunstanciais, associados a calendários que têm a preservação do poder em primeira linha, quer pela consciência de que a função de fiscalização da administração que competiria, em primeira análise, ao parlamento, no desenho tradicional da separação de poderes, está desfasada no tempo, modo e substância com o avançar das funções técnicas próprias do exercício executivo.
No entanto, há “pecados” que elas carregam e que se têm manifestado publicamente. Um primeiro, relativo à sua (i)legitimidade democrática face ao desenho do Estado, que alguns tendem a corrigir pela ligação/nomeação, à instituição parlamentar ou ao Chefe do Estado. Um segundo, com a prevalência dos critérios técnicos sobre os valores políticos constitutivos da filosofia do Estado (mais ou menos social), que outros procuram aligeirar com audições parlamentares obrigatórias, transparência das decisões ou reversão das mesmas em casos de excepcionalidade de modo a não questionar a independência originária.
Ora, chegados a este ponto, convém esclarecer que essas concepções e necessidades do Estado moderno não se fazem sentir, em exclusivo, no mundo dos livros e dos jornais ou sequer apenas além do nosso horizonte atlântico. Como em qualquer outro sistema político-económico que contemple um parlamento, um governo, uma administração e um mercado, nos Açores, a autonomia político-administrativa que enforma o arquipélago, após 30 anos de governo próprio, está madura para abraçar estas novas perspectivas e, a meu ver, necessita de novas fórmulas de governança que implicam um deslocar da exclusividade do exercício do poder, das funções de regulação e de autoridade, para uma situação intermédia entre a «sociedade civil» e os órgãos de governo próprio. Estas entidades, mais ou menos, intervenientes, com, mais ou menos, autoridade ou autonomia financeira, conforme estivéssemos a falar de áreas económicas ou de defesa e garantia de certas liberdades, mas, certamente, sempre, com existência jurídico-administrativa própria, independência subjectiva e funcional, e nomeação pela Assembleia Legislativa, não deixariam de fazer parte de uma concepção alargada do que é o sistema institucional regional. Os limites são os que a Constituição impõe e os que a coragem e criatividade política queiram ter no desenho estatutário e na verificação das necessidades colectivas. A talhe de foice, meia dúzia de áreas se candidatam a inaugurar este caminho: a da análise económico-financeira; a da concertação estratégica; a da fiscalização da actividade da administração; a da organização territorial; a dos observatórios sociais (juventude, educação, saúde e solidariedade social) e a da, sempre falada, comunicação social. Quem dá o tiro de partida?

(*) A ler “O Cidadão, o Provedor de Justiça e as Entidades Administrativas Independentes”. Ed. Provedoria de Justiça, 2002

Sé, 22 de Janeiro de 2007
(a azul a parte que não foi publicada por limite de caracteres)