domingo, setembro 24, 2006

VER MAIS LONGE…

Dia 13 p.p. o Jornal que gentilmente me acolhe destacava em primeira página o recente Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Conclusão editorial: a nossa Autonomia está limitada. A RDP-Açores consultou um perito em assuntos europeus (Prof. Carlos Amaral da Universidade dos Açores) que logo descobriu nuvens negras no futuro do regime político autonómico.
Ora, salvo melhor opinião, o Acórdão, no que às más notícias diz respeito, não trouxe nada de novo, a Autonomia política, económica e financeira nos termos em que foi desenhada em 76, e reforçada nos últimos 30 anos, continua a ser precária. Além disso, as limitações da União Europeia à soberania estatal aplicam-se, por maioria de razão, às autonomias infra-estatais. Logo, uma visão catastrófica do futuro só terá razão de ser se os Açores cruzarem os braços ou não souberem tirar ilações do que é aí dito, com clareza, a nosso favor.
Vejamos, mais longe, as linhas de força do Acórdão que poderão ser proveitosas politicamente, interna e externamente, em combates próximos:
a) É declarado compatível com o mercado comum a parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região e que se refere à vertente relativa às reduções das taxas dos impostos sobre o rendimento;
b) É reconhecido que os auxílios que têm por objectivo ultrapassar as desvantagens estruturais permanentes decorrentes do nosso carácter insular e do afastamento dos centros económicos continentais, mediante uma redução das despesas correntes das empresas, podem ser autorizados se se destinarem a reduzir os custos adicionais do exercício da actividade económica inerentes às desvantagens, enunciadas no estatuto da ultraperiferia, cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o desenvolvimento da Região, e no respeito das condições estabelecidas nas orientações sobre os auxílios estatais com finalidade regional, ou seja, justificar se pelo seu contributo para o desenvolvimento regional e pela sua natureza, devendo o seu nível ser proporcional aos custos adicionais que visam compensar;
c) É declarado que o facto de as reduções fiscais em causa terem sido decididas por uma entidade diferente do Estado central pode ser desprovido, por si só, de qualquer pertinência, mas, que os efeitos da medida, e não a sua forma, podem ser tomados em conta para a sua qualificação ou não como auxílio;
d) É sublinhado que o grau de autonomia da Região é limitado e o Estado central continua a desempenhar um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que as empresas operam e a diminuição das receitas fiscais resultante, para a Região, das reduções das taxas do imposto em causa é indirectamente compensada, no plano orçamental, por transferências provenientes da administração central, em nome do princípio da solidariedade financeira, mas, não se exclui que uma entidade infra estatal disponha de um estatuto de direito e de facto suficientemente autónomo em relação ao Governo central de um Estado Membro, para que, pelas medidas que adopta, seja essa entidade, e não aquele, que desempenha um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas (na Irlanda do Norte e Escócia é o território onde exerce a sua competência a entidade infra estatal, autora da medida, e não o território nacional no seu conjunto, que constitui o contexto pertinente para determinar se uma medida adoptada por essa entidade favorece certas empresas em relação a outras que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável, tendo em atenção o objectivo prosseguido pela medida ou o regime jurídico em causa);
e) Não se exclui que, noutras hipóteses políticas, para apreciar a selectividade de uma medida adoptada por uma entidade infra estatal e que tem por objectivo fixar, numa parte apenas do território de um Estado Membro, uma taxa de imposto reduzida em relação à taxa em vigor no resto do referido território, importa examinar se foi adoptada por essa entidade no exercício de poderes suficientemente autónomos em relação ao poder central e, caso assim seja, apurar se se aplica efectivamente a todas as empresas estabelecidas ou a todas as produções realizadas no território em que essa entidade exerce a sua competência. Ou seja, para que se possa considerar que uma decisão tomada em tais circunstâncias foi adoptada no exercício de poderes suficientemente autónomos, importa, primeiro, que essa decisão tenha sido adoptada por uma autoridade local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do Governo central; segundo, deve ter sido adoptada sem que o Governo central possa intervir directamente no seu conteúdo; terceiro, as consequências financeiras de uma redução da taxa de imposto nacional aplicável às empresas presentes na região não devem ser compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do Governo central.

Resulta do que precede que uma autonomia política e fiscal, relativamente ao Governo central, que seja suficiente no que respeita à aplicação das regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado, supõe que a Região disponha não apenas da competência para adoptar, no território sob sua jurisdição, medidas de redução da taxa de imposto, independentemente de qualquer consideração relacionada com o comportamento do Terreiro do Paço, mas que assuma, além disso, as consequências políticas e financeiras de tal medida. Sendo assim, quem tem medo deste «Lobo Mau»?

Sé, 19 de Setembro de 2006