domingo, setembro 10, 2006

PARTIDOS, QUE FUTURO?

Este não é um bom tempo para os partidos políticos, especialmente para os tradicionais. O seu declínio reflecte o declínio da sociedade de classes. O velho proletariado e a burguesia foram-se. Em seu lugar encontramos uma massa cinza apelidada de «classe média» entre dois pólos: uma elite económica hiper abastada e uma faixa, cada vez maior, a viver no, ou abaixo do, limiar da pobreza. Nesta estrutura social dificilmente se encontram grupos em que organizações fiáveis e duradouras possam erigir-se. As pessoas estão, no dizer de Ralf Dahrendorf, sem casa social e os seus interesses variam consoante as situações. Normal será que deixem de encontrar representação nos partidos e passem a reagir a acontecimentos, modas, sentimentalismos, humores ou até ressentimentos (1).
Está criado o campo para florescer o populismo no mundo político tal como o conhecemos, e já não é surpreendente o número de líderes populistas que conseguiram chegar ao poder nos últimos anos. Às angústias do eleitorado os populistas prometem soluções que dispensam processos e meios de moderação. «Quero, posso e mando», «Cheguei, vi e venci» ou «Nós contra eles» são os métodos de base. Haverá solução?
Se é certo que os partidos políticos tiveram uma má comunicação social nos últimos anos e uma perda de funções sociais proporcionalmente inversa ao aumento de papel institucional, é, também, unânime que continuam a ter uma função importante na avaliação dos interesses e das matérias, assegurando um elemento de estabilidade no sistema político. Por isso, as estruturas partidárias actuais têm a obrigação de reganhar a confiança dos cidadãos. Para serem bem sucedidas, nesta prioridade primeira, há necessidade de clareza programática, e organizacional, de acordo como uma nova percepção dos problemas da sociedade depois das mudanças nas estruturas tradicionais. Assim, num momento em que à erosão geral da capacidade de formulação de políticas públicas segue o reforço do aparelho executivo, logo da tecnocracia, só a possibilidade de fazer diferenciações políticas com propostas sectoriais concretas poderá manter actual o papel dos partidos.
Este pensamento não sobreviverá, contudo, perante organizações constituídas com base na oligarquia dirigente populista. É bem verdade que criticar as pessoas que exercem essas funções é «desporto nacional», mas devemos perceber que a questão deixou de ser exclusivamente política e passou a ser cívica.
Podemos «utopizar», com Jacques Séguéla, que no futuro dominarão elites capazes de nos oferecerem uma alternativa credível a longo prazo cujo núcleo passa por valores como o equilíbrio, qualidade, integração, emoção, continuidade, proximidade. Onde o imperativo moral será obrigatório e a interactividade uma necessidade. Entraremos num espaço de diálogo. Escutar e falar serão exigê¬ncias pela força das circunstâncias quer face aos clãs sócio-culturais que segmentam a sociedade quer face aos colaboradores que esperam uma outra hierarquia um outro empenho, uma outra gestão.(2)
Mas, para afastar, hoje, as oligarquias partidárias não podemos esperar sentados que o próprio tempo se encarregue de as ridicularizar. Normalmente, ao estabelecerem-se normas para conter a «dominação dos dirigentes» o que se verifica é que as leis vacilam mas os dirigentes não. Até ao «Futuro com Futuro» talvez haja a possibilidade, senão de uma cura, pelo menos de encontrar, no próprio princípio democrático, algum alívio para a doença, pela governação e a organização da sociedade no interesse geral por meio de uma intervenção hierárquica de um número de «cidadãos livres» que deverá ir crescendo à medida que cresce o grau de desenvolvimento social. Faz parte da essência da democracia a capacidade de crítica e o fortalecimento individual dessa capacidade, apesar de, algumas vezes, a formalização, ou burocratização, que possa assumir, prejudicar a possibilidade do controlo externo ao circuito tradicional.
Já Robert Michels nos fez ver que as correntes democráticas fazem lembrar a rebentação das ondas, não encontrando fim «este drama que ferozmente se desenrola entre o incansável idealismo dos mais jovens e a incurável sede de poder dos mais velhos. Sempre novas ondas a rugir no mesmo ponto de rebentação» (3). Não desanimemos, é esta a marca histórica dos partidos!
(1) Parties and Populists (http://www.project-syndicate.org/commentary/dahrendorf53)
(2) O futuro tem futuro. Publicações Europa-América, 1998
(3) Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna. Antígona, 2001

Sé, 4 de Setembro de 2006