domingo, agosto 20, 2006

DOCE VIDA

Domingo de sol no cais da Silveira:
- Como estás?
- Então? Queres melhor vida do que esta?
De facto. Percorrendo os nove torrões no meio do Atlântico todos os males do mundo parece que ficaram à entrada das 200 milhas. Apreendendo conversas giramos em torno do nada em forma de tudo. Doce Vida! Aproveitemo-la no que tem de melhor. O matraquear dos telejornais entre a guerra no Médio-Oriente e a nova ameaça terrorista em Londres não fez cair o número de festivais gastronómicos ou de arraiais nocturnos. Ao que se sabe, a aterragem de um avião israelita na Base das Lajes não fez interromper a festividades no Concelho. Nem era suposto. Da clausura do passado passamos à euforia do presente. Tudo se nos apresenta demasiado longe ou demasiado fácil. A pobreza vizinha, o subdesenvolvimento e o desespero de povos inteiros estão-nos distantes. O desmoronar do direito internacional, o terrorismo global não entranham a nossa pele de «homens feitos para outro dia-a-dia». Que boa sorte a nossa, separados pelo vidro do ecrã da TV, estaremos no paraíso? A Ocidente, pensar a Paz, a Liberdade, a Igualdade e a Solidariedade, torna-se um enfado, a curto prazo perderemos o seu sentido. Há comunidades que se lhe fecharam do mundo por condição natural. Nós, entre os dois pólos civilizacionais ocidentais, Europa e América, parecemos alienados no mundo global. A prisão da circunstância, escusa de séculos, foi quebrada. Como perceber que, com as auto-estradas do saber à distância de um clique (Internet), continuamos indisponíveis para intervir ou para nos comprometermos? Não pedindo soluções para a nova ordem internacional ou para a construção de um novo modelo social ou de desenvolvimento, nem tudo se perderia se, pensando na circunstância, nos pensássemos enquanto povo. Pondero se não somos uma comunidade por acidente? É uma ideia a desenvolver com o maior cuidado. E qual o espaço dos ideais ocidentais para a construção futura do nosso colectivo, ou da região política? Que Autonomia queremos? Que papel reservamos ao Estado nas nossas vidas? Aqui, de novo, nem cátedra, nem livro, nem jornal, nem a «mirrada» blogosfera regional, têm qualquer eficiência social. Sobre (em cima e acerca de) o povo açoriano reina o quotidiano e, infelizmente, o vulgar. Há uma terrível cegueira que nos faz esquecer os factores de coesão e de pertença comunitária. Um perigoso vazio de valores éticos e cívicos. Levados no consumismo imediatista ou pelo mediatismo consumível deixamos a floresta para olhar a árvore, o buraco na estrada, o atraso do avião, o EU. Tudo está demasiado fácil. Não se espera que faças nada. O governo dá-te a casa e o trabalho, a câmara anima as tuas noites. Outros asseguram o teu destino. Doce Engano!
Quem, na nova geração, se consegue libertar do vórtice da mediocridade ou da filodoxia? O comprometimento político surge por interesse pessoal. O empreendedorismo visa o lucro fácil. O diletantismo intelectual tem piores consequências do que o analfabetismo. Se a nossa vocação for o pensamento o afã diário não será pela construção de um mundo paralelo. Sobre o vácuo dos valores reforçam-se os populismos e demagogias de toda a índole assentes na lógica do oportunismo e das soluções instantâneas com menu predefinido. Que elite política, social ou económica ousa quebrar a letargia? Quem rompe o cerco? Quem grita? Silêncios…
O dever social do pensamento, da propositura, da novidade mantém-se. Relembrando Ortega & Gasset a quem perguntar mal-humoradamente ou com gesto desdenhoso: porque há-de o nosso tempo inovar, mudar, superar? Responderemos que «tempo é tarefa, missão e inovação».

Sé, 13 de Agosto de 2006