domingo, julho 23, 2006

¿ESPAÑAS?

España, España, España
Dos Mil Anos de História
No Acabaram de Hacerte
Eugenio de Nora

O cenário perfeito seria uma varanda sobre a praça de Sant Jaume. Pascal Maragall proclamaria de braços abertos: “Declaro a Espanha um Estado federal”. Contudo não pôde ser assim. Contentou-se com a tribuna do Parlamento da Catalunha. A sua emoção era genuína e estava a cumprir um velho sonho: dizer a todos os espanhóis o que devem ser e como devem sê-lo. Se Maragall falou mais da sua visão de Espanha do que da Catalunha, outros intervenientes não lhe seguiram. Provavelmente, a maioria pensava que o Estatuto não estava destinado a reformar a Espanha, mas sim a relação da Catalunha com o resto do Estado. Temiam que ao propugnar a Espanha como Estado federal e com a alteração do sistema geral de financiamento autonómico a Catalunha passasse a estar dependente da vontade das outras Comunidades e, pior, do PSOE e do PP.
Para outros, contudo, esta proposta veio colocar em marcha um desejo catalão, assente na pura tradição nacionalista, sem coloração espanhola alguma, que a adoptar-se não levará a um regime federal mas sim a um Estado dual, com uma área de soberania própria para a Catalunha que não exclui a sua intervenção nas decisões do Governo central e em troca coarcta de antemão qualquer ingerência de Madrid no pleno autogoverno catalão.
Assim, contrariamente ao que se pressupunha, o problema apontado residiria menos na declaração de que a Catalunha seria uma nação (como estratégia preventiva Maragall passou a falar de uma Espanha como «nação de nações»), mas mais no passo para a «interdependência» (sic) invocada no preâmbulo. Essa, ligada à soberania fiscal e à aproximação dos regimes de privilégio vigentes no País Basco e em Navarra, fecharia o círculo. Para os puristas falar em federalismo espanhol em tais condições é uma heresia. Tal como uma coisa seria reconhecer a composição plurinacional de Espanha e outra a de um Estado cujo esvaziamento progressivo se parecia propugnar.
A questão dos nacionalismos é o problema mais complexo e o desafio mais incerto com que se debate a Espanha, continuando, no entanto, a ser objecto de paliativos, que parecem resultar, apenas num adiamento da assunção de uma realidade, que não se conforma com a armadura político-institucional existente, por mais paradoxal que possa parecer dentro de um Estado democrático, politicamente descentralizado e próspero.
Entretanto, se já Ortega y Gasset afirmava «España es el problema, Europa la solución», perante a ameaça latente da desagregação territorial do Estado espanhol, como consequência da eclosão dos nacionalismos periféricos históricos e, também, de alguns movimentos políticos autonomistas e regionalistas que, por mimetismo ou por agravo comparativo, se manifestam dispostos a seguir idêntica linha de confronto e reivindicação, Madrid pareceu encontrar na UE a melhor solução para manter a sua integridade territorial e a hegemonia político-administrativa sobre todo o seu território.
Curioso é verificarmos que, paralelamente ao europeísmo militante do governo central, surge um nacionalismo periférico defensivo (Maria Regina Marchueta “Os Nacionalismos Periféricos em Espanha. Sua Projecção Internacional”. Ed. Duarte Reis, 2002) que tem a ver com a defesa do papel das regiões na Europa e sua respectiva representatividade nas instituições europeias. A Europa das Regiões apresenta-se com as soluções mais eficazes, e menos traumáticas, para a consecução futura dos desígnios nacionalistas, uma vez que o modelo confederal europeu permite a constituição de plataformas inter-regionais de interesse, que funcionam como grupos de pressão destinados a contrariar os ditames da actual Europa dos Estados.
Não é pois, por acaso, que, nesta perspectiva, o reconhecimento e dotação institucional dos três níveis de poder da Europa de futuro, de tipo federativo (Regiões, Estados, União) assim como a superação das limitações na formulação originária do princípio da subsidiariedade, constituam os temas principais da agenda das regiões espanholas e das suas organizações representativas. Olé!
Ponta Delgada, 17 de Julho de 2006.