JANELAS ALTAS (IV)
Para uma revisão estatutária.
A necessidade de adequar, legal e regulamentarmente, os modelos organizativos da administração territorial regional à realidade arquipelágica e aos novos desígnios da modernidade político-administrativa é tão indispensável para uma maior racionalidade na utilização dos recursos públicos quanto para aumentar a eficiência do conjunto do desenho autonómico. Ou seja, esta avaliação deve ser feita, não só, na perspectiva de criar melhores condições institucionais para a articulação de políticas de base territorial mas, também, para evitar que o próprio processo de desconcentração imposto pela administração central nos continue a provocar efeitos perversos (vide o recente acórdão relativo às competências sobre os edifícios escolares).
É assim que, em tese, defendo que a descentralização territorial regional deve adoptar uma base territorial diversa da actual relação freguesia/município esgotada ou inadequada à nossa realidade, procurando antes fundar-se na realidade da ilha ou, em alguns casos, no binómio desta com os seus municípios.
A base territorial correspondente à ilha (a unidade orgânica administrativa da ilha) seria aplicada aos domínios de actuação da administração que, associadas à concretização de políticas públicas regionais, conheçam ou se adeqúem à consagração de diferenciação territoriais – especialmente vocacionados para a execução das políticas públicas que respeitem a intervenções de natureza económica e social ou que prossigam finalidades nesses domínios.
A base territorial correspondente aos municípios seria, por sua vez, aplicada à concretização das políticas públicas administrativas que não fossem susceptíveis ou adequadas a diferenciações territoriais (digamos a política administrativa de base comum a qualquer executivo local).
É, pois, nestes termos que o nosso Estatuto Político-Administrativo deverá codificar alguns critérios a que se deverão cingir os legisladores regionais na distribuição das funções administrativas entre as realidades Regional, Insular e Municipal nas quais se destacam os princípios integradores da diferenciação, proporcionalidade e subsidiariedade,
Por diferenciação se entende aqui que o legislador, na atribuição de competências, deve considerar as características, sejam demográficas, geográficas ou estruturais, dos entes (São Miguel não é a Ilha das Flores nem Angra do Heroísmo é Santa Cruz da Graciosa). O princípio da diferenciação obriga com efeito a:
a) Uma diferenciação da organização política (com influência directa na forma de governo, nas relações institucionais e na legislação eleitoral);
b) Uma diferenciação organizativa que se consegue, por um lado, com um poder normativo em matéria de organização e, por outro, com o exercício de competências próprias ou delegadas de organização e gestão no âmbito de actos formulados pelos órgãos políticos e representativos desses entes;
c) Uma diferenciação funcional em que a distribuição de competências administrativas pode ser diversa de núcleo para núcleo;
d) Uma diferenciação territorial uma vez que os âmbitos territoriais do exercício do poder variam em razão das especificidades locais e da vontade associativa dos entes interessados.
Somando a este princípio os da proporcionalidade, enquanto a idoneidade organizativa da administração territorial em garantir de forma associada com outros entes o melhor exercício das suas competências, e da subsidiariedade, na sua pureza, enquanto entendimento de que as decisões deverão ser assumidas pelo nível institucional mais descentralizado possível, desde que, sublinhe-se, se justifique e seja compatível com a necessidade de assegurar a eficiência e efectividade na acção dos poderes públicos, assim se conjugará na proximidade um sistema em rede que, afirmando a centralidade da realidade ilha no exercício de funções administrativas, busca na subsidiariedade a fórmula que autoriza a subtracção de determinadas competências aos municípios a favor do universo ilha, inter-ihas ou regional.
A elaboração de um sistema político-administrativo em rede, leva a que estes novos elementos se enquadrem numa nova filosofia da autonómica, uma vez que este multinível político-administrativo adequado às nossas especificidades influi sobre as relações institucionais valorando os instrumentos de coordenação e colaboração e o desenvolvimento integrado, logo sustentado.
É assim que este novo nível também se deverá assumir como político, elevado à categoria de instituição política autonómica, fundado numa eleição por sufrágio directo e universal, dotado de iniciativa legislativa e política perante a Assembleia Legislativa (dever-se-á criar uma comissão especializada para a coesão territorial) e de poder executivo autónomo, mas com a amplitude suficiente para, também, se poder configurar como representante do Governo Regional nas respectivas ilhas, obrigando-se a cumprir as directivas e os acordos com o Governo Regional que lhe poderá transferir competências e meios financeiros, forma última pela qual se exercerão as competências administrativas regionais através das administrações insulares. Ao Estatuto caberá então a definição das técnicas de delegação dessas competências, seja por convénios ou acordos inter-administrativos, de modo a dar conteúdo aos princípios gerais da colaboração e da coordenação entre a administração regional autónoma e a insular e, bem assim, desta com os respectivos municípios. Perspectiva-se esta nova dimensão como misto de entidade política da Região e como entidade local, assumindo num primeiro nível competências conferidas pelo Estatuto (iniciativa legislativa, representação do Governo Regional e exercício das competências administrativas da Região que lhes forem delegadas pelo executivo mediante os convénios já mencionados), e num segundo nível as competências que ora pertencem aos municípios e que detenham potencialidades e especificidades intermunicipais. Não se trata de engrossar a máquina administrativa, mas sim de adequa-la à nossa realidade, pois, por natureza das coisas, os corpos administrativos deverão ser compostos por transição dos funcionários que pertençam aos municípios e freguesias extintos e por funcionários dos diversos departamentos da administração regional autónoma espalhados pelas ilhas e que deixem de ter sentido existir face a este novo desenho administrativo.
Não de somenos importância é a sustentabilidade financeira desta estrutura. O seu financiamento só pode ser através da anexação dos fundos atribuídos pelo Orçamentos do Estado às freguesias e municípios extintos, do orçamento regional, onde se pode encontrar uma fórmula de cativação de percentagem da riqueza gerada na ilha e bem assim em função das competências transferidas, da distribuição criteriosa dos fundos europeus para projectos de nível ilha e inter-ilha (onde a participação da nova entidade se tornará obrigatória em situações de parcerias público-privadas), da aplicação, segundo os mesmos critérios, dos recursos de um fundo regional para a coesão. Os municípios sobreviventes continuariam a receber os fundos do Orçamento do Estado na medida das suas competências.
Como já devem ter compreendido este exercício só é aceitável face a uma premissa, a necessária extinção a médio prazo de todas as freguesias da Região, e bem assim, de alguns municípios (olhemos a revisão constitucional de 2009), e o reordenamento competencial e territorial dos municípios que, face à sua especificidade territorial e ou demográfica e face aos princípios da diferenciação, proporcionalidade e subsidiariedade, devam coexistir com esta nova realidade (é indesmentível a sua continuação em ilhas como São Miguel, Terceira e Pico o mesmo não se pode dizer das restantes).
Se, para alguns, estas linhas podem representar um exercício de ilusionismo teórico, para outros, poderão constituir um chamar de atenção para realidades já experimentadas. Contudo, fundamental será que ambos os lados entendam que só em rede se podem aliar, na Região, colaboração e coordenação político-administrativa a desenvolvimento integrado e sustentado. Haja coragem e vontade para tanto.
Sé, 19 de Agosto de 2005
A necessidade de adequar, legal e regulamentarmente, os modelos organizativos da administração territorial regional à realidade arquipelágica e aos novos desígnios da modernidade político-administrativa é tão indispensável para uma maior racionalidade na utilização dos recursos públicos quanto para aumentar a eficiência do conjunto do desenho autonómico. Ou seja, esta avaliação deve ser feita, não só, na perspectiva de criar melhores condições institucionais para a articulação de políticas de base territorial mas, também, para evitar que o próprio processo de desconcentração imposto pela administração central nos continue a provocar efeitos perversos (vide o recente acórdão relativo às competências sobre os edifícios escolares).
É assim que, em tese, defendo que a descentralização territorial regional deve adoptar uma base territorial diversa da actual relação freguesia/município esgotada ou inadequada à nossa realidade, procurando antes fundar-se na realidade da ilha ou, em alguns casos, no binómio desta com os seus municípios.
A base territorial correspondente à ilha (a unidade orgânica administrativa da ilha) seria aplicada aos domínios de actuação da administração que, associadas à concretização de políticas públicas regionais, conheçam ou se adeqúem à consagração de diferenciação territoriais – especialmente vocacionados para a execução das políticas públicas que respeitem a intervenções de natureza económica e social ou que prossigam finalidades nesses domínios.
A base territorial correspondente aos municípios seria, por sua vez, aplicada à concretização das políticas públicas administrativas que não fossem susceptíveis ou adequadas a diferenciações territoriais (digamos a política administrativa de base comum a qualquer executivo local).
É, pois, nestes termos que o nosso Estatuto Político-Administrativo deverá codificar alguns critérios a que se deverão cingir os legisladores regionais na distribuição das funções administrativas entre as realidades Regional, Insular e Municipal nas quais se destacam os princípios integradores da diferenciação, proporcionalidade e subsidiariedade,
Por diferenciação se entende aqui que o legislador, na atribuição de competências, deve considerar as características, sejam demográficas, geográficas ou estruturais, dos entes (São Miguel não é a Ilha das Flores nem Angra do Heroísmo é Santa Cruz da Graciosa). O princípio da diferenciação obriga com efeito a:
a) Uma diferenciação da organização política (com influência directa na forma de governo, nas relações institucionais e na legislação eleitoral);
b) Uma diferenciação organizativa que se consegue, por um lado, com um poder normativo em matéria de organização e, por outro, com o exercício de competências próprias ou delegadas de organização e gestão no âmbito de actos formulados pelos órgãos políticos e representativos desses entes;
c) Uma diferenciação funcional em que a distribuição de competências administrativas pode ser diversa de núcleo para núcleo;
d) Uma diferenciação territorial uma vez que os âmbitos territoriais do exercício do poder variam em razão das especificidades locais e da vontade associativa dos entes interessados.
Somando a este princípio os da proporcionalidade, enquanto a idoneidade organizativa da administração territorial em garantir de forma associada com outros entes o melhor exercício das suas competências, e da subsidiariedade, na sua pureza, enquanto entendimento de que as decisões deverão ser assumidas pelo nível institucional mais descentralizado possível, desde que, sublinhe-se, se justifique e seja compatível com a necessidade de assegurar a eficiência e efectividade na acção dos poderes públicos, assim se conjugará na proximidade um sistema em rede que, afirmando a centralidade da realidade ilha no exercício de funções administrativas, busca na subsidiariedade a fórmula que autoriza a subtracção de determinadas competências aos municípios a favor do universo ilha, inter-ihas ou regional.
A elaboração de um sistema político-administrativo em rede, leva a que estes novos elementos se enquadrem numa nova filosofia da autonómica, uma vez que este multinível político-administrativo adequado às nossas especificidades influi sobre as relações institucionais valorando os instrumentos de coordenação e colaboração e o desenvolvimento integrado, logo sustentado.
É assim que este novo nível também se deverá assumir como político, elevado à categoria de instituição política autonómica, fundado numa eleição por sufrágio directo e universal, dotado de iniciativa legislativa e política perante a Assembleia Legislativa (dever-se-á criar uma comissão especializada para a coesão territorial) e de poder executivo autónomo, mas com a amplitude suficiente para, também, se poder configurar como representante do Governo Regional nas respectivas ilhas, obrigando-se a cumprir as directivas e os acordos com o Governo Regional que lhe poderá transferir competências e meios financeiros, forma última pela qual se exercerão as competências administrativas regionais através das administrações insulares. Ao Estatuto caberá então a definição das técnicas de delegação dessas competências, seja por convénios ou acordos inter-administrativos, de modo a dar conteúdo aos princípios gerais da colaboração e da coordenação entre a administração regional autónoma e a insular e, bem assim, desta com os respectivos municípios. Perspectiva-se esta nova dimensão como misto de entidade política da Região e como entidade local, assumindo num primeiro nível competências conferidas pelo Estatuto (iniciativa legislativa, representação do Governo Regional e exercício das competências administrativas da Região que lhes forem delegadas pelo executivo mediante os convénios já mencionados), e num segundo nível as competências que ora pertencem aos municípios e que detenham potencialidades e especificidades intermunicipais. Não se trata de engrossar a máquina administrativa, mas sim de adequa-la à nossa realidade, pois, por natureza das coisas, os corpos administrativos deverão ser compostos por transição dos funcionários que pertençam aos municípios e freguesias extintos e por funcionários dos diversos departamentos da administração regional autónoma espalhados pelas ilhas e que deixem de ter sentido existir face a este novo desenho administrativo.
Não de somenos importância é a sustentabilidade financeira desta estrutura. O seu financiamento só pode ser através da anexação dos fundos atribuídos pelo Orçamentos do Estado às freguesias e municípios extintos, do orçamento regional, onde se pode encontrar uma fórmula de cativação de percentagem da riqueza gerada na ilha e bem assim em função das competências transferidas, da distribuição criteriosa dos fundos europeus para projectos de nível ilha e inter-ilha (onde a participação da nova entidade se tornará obrigatória em situações de parcerias público-privadas), da aplicação, segundo os mesmos critérios, dos recursos de um fundo regional para a coesão. Os municípios sobreviventes continuariam a receber os fundos do Orçamento do Estado na medida das suas competências.
Como já devem ter compreendido este exercício só é aceitável face a uma premissa, a necessária extinção a médio prazo de todas as freguesias da Região, e bem assim, de alguns municípios (olhemos a revisão constitucional de 2009), e o reordenamento competencial e territorial dos municípios que, face à sua especificidade territorial e ou demográfica e face aos princípios da diferenciação, proporcionalidade e subsidiariedade, devam coexistir com esta nova realidade (é indesmentível a sua continuação em ilhas como São Miguel, Terceira e Pico o mesmo não se pode dizer das restantes).
Se, para alguns, estas linhas podem representar um exercício de ilusionismo teórico, para outros, poderão constituir um chamar de atenção para realidades já experimentadas. Contudo, fundamental será que ambos os lados entendam que só em rede se podem aliar, na Região, colaboração e coordenação político-administrativa a desenvolvimento integrado e sustentado. Haja coragem e vontade para tanto.
Sé, 19 de Agosto de 2005
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