segunda-feira, agosto 08, 2005

JANELAS ALTAS (II)

Para uma Revisão Estatutária.
Questão pouco aflorada nas demandas estatutárias dos últimos 30 anos tem sido a das relações entre o poder regional autónomo e o poder local. A realidade autonómica fez com que princípios incontornáveis do Estado de Direito português coexistam nas nossas ilhas: o da autonomia regional, o da autonomia local e o da subsidiariedade. Contudo, a actividade político-normativa nacional e regional tem-se revelado inábil na conjugação destes motores do desenvolvimento, seja porque os conforma unilateralmente, seja porque molda, de forma impositiva, a autonomia local aos olhos de um território contínuo que não é o nosso. Acresce que, Portugal, esquecendo modelos históricos que representaram mais valias (v.g. uma das experiências mais bem sucedidas de aplicação do princípio da subsidiariedade à administração autárquica foi a do direito administrativo alemão onde os municípios só poderiam prosseguir atribuições no domínio económico se o objectivo visado não pudesse ser alcançado «por outrem», «melhor e em termos mais económicos»), esquecendo os princípios orientadores de qualquer reforma territorial (v.g. a de Mouzinho da Silveira em 1834), tem optado pela multiplicação do seu espaço administrativo territorial com os necessários custos organizativos e financeiros. A esta deriva alguns, entre os quais me incluo, atribuem uma quota de responsabilidade nos ritmos menos céleres e sustentados de desenvolvimento dos Açores. Note-se que, ancorados num princípio «the smaller, the better», a Região consegue, no quadriénio 2000-2004, criar 6 novas freguesias e planear um novo concelho para São Miguel. Ora, este tempo é, também, tempo de eleições autárquicas. Segundo dados do Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral, divulgados no passado dia 27 de Junho, na Região existem um total de 189 123 eleitores habilitados a votar nas próximas eleições. Analisando o mapa do Diário da República, podemos confirmar algumas curiosidades da divisão administrativa das nossas ilhas, a saber:
a) Concelhos com menos de 1000 eleitores: Corvo (340);
b) Concelhos com menos de 2000 eleitores: Lajes das Flores (1271) e Santa Cruz das Flores (1984);
c) Concelhos com menos de 5000 eleitores: Calheta (3522); Santa Cruz da Graciosa (3815); Velas (4515); Lajes do Pico (4354); Madalena (4671); São Roque do Pico (2813); Nordeste (4914); Vila do Porto (4520).

Ou seja, 11 concelhos, dos 19 dos Açores, têm menos de 5000 eleitores. Se a natureza das coisas implica que as circunscrições do Corvo, Santa Cruz da Graciosa e Vila do Porto não possam tomar outra forma, está por justificar a manutenção da divisão da Ilha das Flores em 2 concelhos (juntos não chegam a 4 mil eleitores), que as Velas e a Calheta de São Jorge não se juntem (não chegariam a 9 mil eleitores enquanto o Faial tem uma circunscrição única com 11 496 eleitores), que exista no Pico um concelho com menos de 3 mil eleitores, que o Nordeste não se junte à Povoação que apenas tem mais 500 eleitores (5421). Será a orografia a causa e o fundamento de todas as decisões? No século XXI as comunicações físicas e telemáticas já não fizeram ultrapassar todas as barreiras?
Se falar da fusão e extinção de concelhos é coisa que faz palpitar muitos corações e que pode originar justificações nos confins da História, olhemos, então, para as freguesias da Região com menos de 500 eleitores:
Angra do Heroísmo: Raminho (494) e Serreta (353);
Calheta: Norte Pequeno (235) e Topo (466);
Velas: Manadas (362);
Praia da Vitória: Cabo da Praia (464) e Quatro Ribeiras (460);
Horta: Capelo (395), Praia do Norte (220), Ribeirinha (366) e Salão (340);
Lajes das Flores: Fajã Grande (190), Fajãzinha (86), Fazenda (237), Lajedo (93), Lajes das Flores (447), Lomba (170) e Mosteiro (48);
Lajes do Pico: Calheta do Nesquim (337), São João (428) e Ribeirinha (372);
Madalena: Bandeiras (427) e São Caetano (457);
Santa Cruz das Flores: Caveira (73), Cedros (134) e Ponta Delgada (353);
São Roque do Pico: Santa Luzia (356) e Santo Amaro (290);
Lagoa: Ribeira Chã (427)
Nordeste: Achada (458), Achadinha (473), Santana (392), Salga (427), Algarvia (367)*, Santo António Nordestinho (356)* e São Pedro Nordestinho (303)*;
Povoação: Água Retorta (376) e Faial da terra (338);
Ribeira Grande: Calhetas (482) e Lomba de São Pedro (289);
Vila do Porto: Almagreira (398) e Santa Bárbara (442).
(* Criadas no quadriénio 2000-2004)
Segundo os dados disponíveis, cerca de um terço das Freguesias da Região têm menos de 500 eleitores (no Concelho das Lajes das Flores fazem o pleno), mas podemos acrescentar que outro terço tem menos de 1000 eleitores. Ora, sabendo que a maioria dos cadernos eleitorais está inflacionado por falta de actualização desde 1998 o grau de descrédito destas opções aumenta. Aliás, quem, sendo um pouco mais curioso, analise os Censos de 2001 verá que «algo vai mal no reino».
Voltemos ao campo dos princípios lembrando Platão, “a Polis não pode ser pequena nem grande, mas suficiente na sua unidade”, pelo que tem de crescer na medida compatível com essa unidade, suficientemente grande para poder atingir a auto-suficiência, para conseguir um poder, mas também suficientemente pequena para permitir a liberdade e a participação. Assim, a questão que se deve colocar a alguns concelhos e por maioria de razão a muitas das nossa freguesias é qual o seu grau de auto-suficiência, de poder, logo, de potencial de desenvolvimento?
Maneiras para obviar a essa inflação do poder territorial e à sua incapacidade de desenvolvimento integrado podem ser outras formas de organização. Actualmente, vislumbram-se as associações de autarquias locais ou os concelhos de ilha. Serão estes os parceiros necessários aos órgãos de governo próprio regional para uma estratégia global de desenvolvimento sustentável? E que nível de tutela sobre o poder local caberá à Região face às novas realidades, necessidades e prioridades?
Sé, 16 de Julho de 2005