JANELAS ALTAS (I)
Para uma revisão estatutária
Como questão prévia devo anunciar que esta é a primeira vez que acompanho uma revisão estatutária, na verdade, as anteriores, ou por demasiada juventude ou por ausência da Região, apenas pude perspectivá-las à posteriori através de estudos ou leituras. Daí que o «Aviso para os reformadores» que há dias recebi do El País na pessoa de Santiago Muñoz Machado (catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid), me tenha tocado fundo. O douto artigo, entre várias ideias, classificava os reformadores estatutários em três categorias:
a) A primeira constituída por aqueles que acreditam que a reforma do estatuto é um exercício de soberania, uma manifestação do suposto poder constituinte próprio do território que o invoca e que para tanto estão dispostos a desrespeitar a Constituição;
b) A segunda categoria de reformadores é composta também por um grupo de crentes no mito de que o Estatuto é uma constituição e não uma simples norma de auto-organização de um território infra-estatal, contudo esta classe de renovadores declara o seu respeito à Constituição ainda que aspire a modificá-la;
c) Finalmente teríamos aqueles que consideram que o estatuto é um texto normativo e não deve pretender ser outra coisa, em que as atribuições das instituições autonómicas deve ser reguladas e configuradas pelas normas estatais.
Esta não deve ser uma questão nova na Região e discuti-la pode não parecer fundamental, porque lembrando Mont’Alverne Sequeira «os autonomistas têm até por si este argumento, que não é dos menos valiosos: - os que vêem e pensam, os que assimilam e produzem, os que se distinguem por qualquer das variadíssimas manifestações do cérebro ou do coração, os íntegros de espírito e de consciência, os que defendem a liberdade e os que prezam o torrão natal, todos apoiam o movimento descentralizador, porque todos compreendem a alta significação deste combate e a prometedora fecundação desta ideia».
Contudo ainda sou daqueles, talvez por (de)formação profissional, que acredita que a fundamentação político-filosófica deve anteceder as nossas opções. Assim, para economia de esforços, incluir-me-ei entre os reformadores que não tem qualquer dificuldade em aceitar que houve um pensamento político na origem e na condução do movimento autonómico açoriano de que não nos devemos afastar. Trata-se de exigir, com a legitimidade jurídica do direito natural, um poder que a administração central abusivamente detém, legislando e impondo um direito positivo contrário. Esta exigência assume assim o carácter cívico, próprio do pleno exercício dos direitos inerentes ao meu estatuto de cidadão. É assim que, ainda que respeite a Constituição, não posso deixar de a considerar, neste século XXI, menos uma potenciação e mais um entrave ao processo autonómico, o que não invalida que, a outro nível, procure levar a discussão sobre esta revisão estatutária até ao seu ponto mais alto.
Actualmente, parecem-me cristalinas as directivas constitucionais e as conclusões do que foram os pontos mais e menos dos últimos 25 anos de Estatuto. Será, pois, mero folclore político ou exercício de ligeireza intelectual, qualquer rol de princípios que não consagre que o Estatuto é a «magna carta» autonómica na qual se devem encerrar:
Como questão prévia devo anunciar que esta é a primeira vez que acompanho uma revisão estatutária, na verdade, as anteriores, ou por demasiada juventude ou por ausência da Região, apenas pude perspectivá-las à posteriori através de estudos ou leituras. Daí que o «Aviso para os reformadores» que há dias recebi do El País na pessoa de Santiago Muñoz Machado (catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid), me tenha tocado fundo. O douto artigo, entre várias ideias, classificava os reformadores estatutários em três categorias:
a) A primeira constituída por aqueles que acreditam que a reforma do estatuto é um exercício de soberania, uma manifestação do suposto poder constituinte próprio do território que o invoca e que para tanto estão dispostos a desrespeitar a Constituição;
b) A segunda categoria de reformadores é composta também por um grupo de crentes no mito de que o Estatuto é uma constituição e não uma simples norma de auto-organização de um território infra-estatal, contudo esta classe de renovadores declara o seu respeito à Constituição ainda que aspire a modificá-la;
c) Finalmente teríamos aqueles que consideram que o estatuto é um texto normativo e não deve pretender ser outra coisa, em que as atribuições das instituições autonómicas deve ser reguladas e configuradas pelas normas estatais.
Esta não deve ser uma questão nova na Região e discuti-la pode não parecer fundamental, porque lembrando Mont’Alverne Sequeira «os autonomistas têm até por si este argumento, que não é dos menos valiosos: - os que vêem e pensam, os que assimilam e produzem, os que se distinguem por qualquer das variadíssimas manifestações do cérebro ou do coração, os íntegros de espírito e de consciência, os que defendem a liberdade e os que prezam o torrão natal, todos apoiam o movimento descentralizador, porque todos compreendem a alta significação deste combate e a prometedora fecundação desta ideia».
Contudo ainda sou daqueles, talvez por (de)formação profissional, que acredita que a fundamentação político-filosófica deve anteceder as nossas opções. Assim, para economia de esforços, incluir-me-ei entre os reformadores que não tem qualquer dificuldade em aceitar que houve um pensamento político na origem e na condução do movimento autonómico açoriano de que não nos devemos afastar. Trata-se de exigir, com a legitimidade jurídica do direito natural, um poder que a administração central abusivamente detém, legislando e impondo um direito positivo contrário. Esta exigência assume assim o carácter cívico, próprio do pleno exercício dos direitos inerentes ao meu estatuto de cidadão. É assim que, ainda que respeite a Constituição, não posso deixar de a considerar, neste século XXI, menos uma potenciação e mais um entrave ao processo autonómico, o que não invalida que, a outro nível, procure levar a discussão sobre esta revisão estatutária até ao seu ponto mais alto.
Actualmente, parecem-me cristalinas as directivas constitucionais e as conclusões do que foram os pontos mais e menos dos últimos 25 anos de Estatuto. Será, pois, mero folclore político ou exercício de ligeireza intelectual, qualquer rol de princípios que não consagre que o Estatuto é a «magna carta» autonómica na qual se devem encerrar:
a) As competências políticas e executivas dos órgãos de governo próprio (com especial cuidado nas competências legislativas por força da remissão constitucional) a um primeiro nível;
b) A institucionalização das relações políticas e administrativas com entidades supra ou para autonómicas (Estado, entidades supra-nacionais e entidades regionais) a um segundo nível;
c) A clarificação das relações políticas e administrativas com entidades infra-autonómicas (autarquias locais ou outras formas de organização) num terceiro nível.
Por outro lado, a verdade é que o momento presente da dialéctica política entre os órgãos de autonomia e os órgãos de soberania põe em foco duas perigosas falhas do sistema: a falta de dimensão nacional das autonomias e a carência de poder económico dos órgãos de soberania podem destruir a eficácia governativa dos órgãos da autonomia.
Se quanto à questão económica o dia-a-dia informativo mantém-nos alertados para os perigos que daí podem advir para a Região, não é debalde que, sempre em momento «prime-time» televisivo, ouvimos os gurus da política económica-financeira nacional apontarem as regiões autónomas como um dos focos da desgraça - era «dar-lhes com uma saca cracas pelo focinho» não haverá por aí alguém que tenha feiro as contas da dívida histórica do governo central para com a Região a exemplo dos 21 mil milhões de euros apresentados pelo líder do Bloque Nacionalista Galego quando foi anunciada a sua participação no novo governo regional? -, quanto à quase invisibilidade das autonomias no sistema de opinião pública da política nacional, gostaria de chamar a atenção para alguns episódios que têm ocorrido.
Como se previa, as divergências quanto ao Estatuto Político-Administrativo e à Lei Eleitoral estão a gerar uma guerra institucional entre os órgãos de governo próprio da Madeira e os órgãos de soberania. Ensinou-nos a história que uma sobreposição à causa autonómica de interesses pessoais e/ou estratégias político-partidárias só nos fazem perder anos de sedimentação e progresso. Ora, porque há quem continue a tomar a nuvem por Juno, será imprescindível para a Região manter-se afastada desse «buraco negro político» e até, sempre que possível, procurar, como tem feito nos últimos anos, marcar a diferença na praxis política regional em relação ao todo nacional.
Acresce a este capítulo, que não posso deixar de acompanhar a chamada de atenção de Luís Bastos, nóvel director do «Expresso das Nove», para o que constituirá um elementar erro de visão política se a revisão estatutária não for aproveitada para suscitar um debate mais alargado, capaz de chegar aos vários sectores sociais, económicos e académicos da sociedade açoriana. Uma pedagogia interna da autonomia é o primeiro passo para um reforço nacional da mesma e para a sua projecção nos fora nacionais. Essa realidade em Espanha é incontornável, pela natureza das coisas as autonomias são uma questão assumidamente nacional, sem dificuldade vislumbramos nos jornais de referência debates, dossiers e artigos de opinião, sejam centralistas, autonomistas ou até separatistas. Por cá, nada disso se vislumbra, antes anunciam-se negociações partidárias à porta fechada ou nem se conseguem apurar o resultado das audições da comissão eventual competente aos antigos Presidentes da Assembleia Legislativa (estranhamente, dá a ideia que apenas lá foram falar das novas competências legislativas).
Termino com um desejo e uma promessa: o de que o Diário Insular se mostre um baluarte no debate que se procura (ao que anunciam os partidos serão 6 meses de fazer render o peixe); a de que estas linhas não serão filhas únicas em busca de uma proposta que possa satisfazer o interesse público regional.
Sé, 2 de Julho de 2005
Por outro lado, a verdade é que o momento presente da dialéctica política entre os órgãos de autonomia e os órgãos de soberania põe em foco duas perigosas falhas do sistema: a falta de dimensão nacional das autonomias e a carência de poder económico dos órgãos de soberania podem destruir a eficácia governativa dos órgãos da autonomia.
Se quanto à questão económica o dia-a-dia informativo mantém-nos alertados para os perigos que daí podem advir para a Região, não é debalde que, sempre em momento «prime-time» televisivo, ouvimos os gurus da política económica-financeira nacional apontarem as regiões autónomas como um dos focos da desgraça - era «dar-lhes com uma saca cracas pelo focinho» não haverá por aí alguém que tenha feiro as contas da dívida histórica do governo central para com a Região a exemplo dos 21 mil milhões de euros apresentados pelo líder do Bloque Nacionalista Galego quando foi anunciada a sua participação no novo governo regional? -, quanto à quase invisibilidade das autonomias no sistema de opinião pública da política nacional, gostaria de chamar a atenção para alguns episódios que têm ocorrido.
Como se previa, as divergências quanto ao Estatuto Político-Administrativo e à Lei Eleitoral estão a gerar uma guerra institucional entre os órgãos de governo próprio da Madeira e os órgãos de soberania. Ensinou-nos a história que uma sobreposição à causa autonómica de interesses pessoais e/ou estratégias político-partidárias só nos fazem perder anos de sedimentação e progresso. Ora, porque há quem continue a tomar a nuvem por Juno, será imprescindível para a Região manter-se afastada desse «buraco negro político» e até, sempre que possível, procurar, como tem feito nos últimos anos, marcar a diferença na praxis política regional em relação ao todo nacional.
Acresce a este capítulo, que não posso deixar de acompanhar a chamada de atenção de Luís Bastos, nóvel director do «Expresso das Nove», para o que constituirá um elementar erro de visão política se a revisão estatutária não for aproveitada para suscitar um debate mais alargado, capaz de chegar aos vários sectores sociais, económicos e académicos da sociedade açoriana. Uma pedagogia interna da autonomia é o primeiro passo para um reforço nacional da mesma e para a sua projecção nos fora nacionais. Essa realidade em Espanha é incontornável, pela natureza das coisas as autonomias são uma questão assumidamente nacional, sem dificuldade vislumbramos nos jornais de referência debates, dossiers e artigos de opinião, sejam centralistas, autonomistas ou até separatistas. Por cá, nada disso se vislumbra, antes anunciam-se negociações partidárias à porta fechada ou nem se conseguem apurar o resultado das audições da comissão eventual competente aos antigos Presidentes da Assembleia Legislativa (estranhamente, dá a ideia que apenas lá foram falar das novas competências legislativas).
Termino com um desejo e uma promessa: o de que o Diário Insular se mostre um baluarte no debate que se procura (ao que anunciam os partidos serão 6 meses de fazer render o peixe); a de que estas linhas não serão filhas únicas em busca de uma proposta que possa satisfazer o interesse público regional.
Sé, 2 de Julho de 2005
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