domingo, novembro 07, 2004

ASSEMBLEIA XXI

Escrevo antes das eleições. Escrevo por contingência mas também porque o tema é independente do resultado eleitoral, pelos menos directamente. Pretendo falar-vos da Assembleia Legislativa Regional, contraditório? Não! Geralmente a perspectiva que é transmitida para os órgãos de comunicação social é a política, da relação do eleitor/eleito, da capacidade legislativa constitucionalmente consagrada, da importância do órgão político relativamente ao Governo Regional, do sistema eleitoral, contudo, pouco se tem escrito sobre a dimensão orgânica da Assembleia, ou melhor, da suas estruturas. A vertente física dessa questão é, como todos bem sabem, enquadrada pela declaração estatutária de que a sede é na cidade da Horta, havendo delegações nas restantes ilhas, infelizmente a Ilha do Corvo é a excepção à regra. Mas, e a dimensão administrativa? Que forma toma a Assembleia e como estará organizada e preparada para os embates da modernidade? Será que esta estrutura se reflecte ou condiciona a actividade parlamentar?Comecemos então por verificar qual tem sido a evolução da actividade legislativa na Assembleia.
Quadro 1
Legislaturas I II III IV V VI VII
PSD 11 13 5 6 7 18 16
PS 12 15 14 17 17 26 15
CDS - 15 3 2 4 15 7
PCP - - 3 10 3 10 10
Deps Ind - 1 - 3 - - -
Mesa - 1 1 - 2 - -
Governo 96 112 109 87 96 98 138
Total 119 150 133 122 121 150 177

Perante estes dados podemos concluir que, fora a II legislatura (1980-1984), os últimos dois quadriénios, e particularmente o que agora finda, foram de longe os mais produtivos, ainda que as despesas da iniciativa se tenham ficado, grandemente, a dever ao Governo Regional.
Quadro 2
VII Legislatura 2000 2001 2002 2003 2004 Total
PSD - 6 2+(2) 5 (1) 16
PS - 2 2+(2) 6+[1] 2+(1) +[1] 17
CDS - 3 (2) 1 (1) 7
PCP - 6 1+(1) 1 (1) 10
Deps Ind - - - - - -
Mesa - - - - - -
Total - 17 7 14 4 40
Governo 2 34 42+[1] 34 26 139Total 2 54 49 48 30 180
() Projecto Conjunto
[] Ante-propostas de Lei

Se a actual legislatura diferiu das restantes no número avassalador de propostas governamentais, já a produção dos grupos parlamentares esteve ao nível dos anos anteriores. Porque não evoluiu sabendo, por exemplo, que a restante actividade parlamentar continua a progredir a bom ritmo? Vejamos:
Quadro 3
VII Legislatura PS PSD CDS PCP TOTAL
Resoluções 22 23+(1) 16+(1) 20 82
Requerimentos 42 330 36 105 512
() Proposta Conjunta

Quadro 4
VI Legislatura PS PSD CDS PCP TOTAL
Resoluções 9 16 20 3 36
Requerimentos 41 297 46 18 402

Este quadriénio foi o mais profícuo em propostas de resolução e requerimentos dos Deputados e também foi o que mostrou que os Açorianos começam a encarar a Assembleia de um modo diferente, veja-se a subida exponencial de petições e abaixo-assinados que chegaram às mãos dos Deputados. Mas estará a Assembleia preparada para essa nova dimensão?
Quadro 5
1989 1990 1991 1992 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Pet. - - - - 2 - - 1 1 7 9 2 1
Ab. 1 1 4 5 - 3 7 2 5 4 4 1 1

A produção parlamentar nunca foi tanta, ainda que a iniciativa legislativa dos partidos mantenha um nível médio muito idêntico ao longo dos anos. Contudo, uma das críticas mais frequentes à Assembleia é de inépcia, inércia ou de ser pouco produtiva. Aliás, alguns dos «pais da autonomia» são recorrentes em criticá-la dizendo que no «tempo deles» é que se faziam leis. Estes comentários, infelizmente nunca desmentidos por quem de direito, são esmagados pela frieza dos números (vejamos as últimas duas legislaturas) e deverão de ser enquadrados no tempo. Será legítimo dizer que naquele tempo é que se arriscava quando estava tudo por fazer? Quando não existiam dezenas de acórdãos do Tribunal Constitucional a inquinar qualquer procedimento? Quando não havia uma produção legislativa europeia que condiciona, como agora, a capacidade legislativa nacional e logo a regional? Não faço, contudo, um exercício de réplica, não se pode negar que continuam alguns temas por tratar em profundidade, o arrendamento rural ou o domínio público marítimo, e nem sempre a quantidade corresponde qualidade, mas se existem alguns pecados maiores da Assembleia estes serão, seguramente, o de não ter encontrado fórmulas de divulgação ou de esclarecimento da sua actividade e o de não se ter adequado à modernidade procurando a inter-actividade e a concertação com a sociedade que a sustenta. Retomando a causa deste escrito, poder-se-á dizer, em bom rigor, que a Assembleia está apetrechada com meios técnicos e humanos que possam responder em permanência e com o ritmo e qualidade que lhe impõem do exterior? Está preparada estruturalmente para os desafios do século XXI? Sabemos bem que todos os Deputados não podem, nem devem ser, especialistas das técnicas legislativas ou das questões e dimensões técnicas cada vez mais apuradas onde hoje navegam as naus legislativas. Queremos políticos ou técnicos? Esta carência da natureza das coisas tem sido obviada pela produção legislativa do Governo dotado com alguns quadros que ainda lhe vão permitindo responder às exigências dos tempos. Atingimos o nó górdio do sistema. Se se quer que a Assembleia continue a ser a fiscalizadora política do Governo, se ela é a pedra toque da autonomia, como poderá ser capaz de proceder a esse desígnio? Nada mais impossível perante os quadros e o desenho estrutural disponíveis. A orgânica parlamentar é um sucedâneo dos departamentos governamentais e a ausência de quadros técnicos é assustadora. Os partidos políticos dando conta desta questão, tentaram colmatá-la com a criação de pessoal de gabinete, foi essa a natureza da iniciativa, mas foi um passo arriscado por o critério de escolha ter passado a ser mais a fidelização política do que as qualidades técnicas. Voltou o impasse.
Estas são, pois, algumas das razões porque a Assembleia chegou, a meu ver, ao seu ponto de esforço. Eis porque não considero a Assembleia estruturalmente preparada para os desafios da modernidade. Uma Assembleia moderna, com dimensão regional, e como principal órgão político regional, tem de rever os seus canais de diálogo e concertação com a sociedade açoriana, tem de ser potenciadora do pensamento autonómico através da promoção do seu estudo ou do seu debate, tem de se assumir como parceiro para a projecção política exterior da Região enquanto dimensão incontornável das prioridades político-económicas, e para tanto, deve, em suma, reformar-se estruturalmente. A estas dimensões e a propostas concretas tornaremos em próximo artigo. Até lá deixo-vos o meu espaço do contraditório: guilherme_marinho@yahoo.com.br ou http://chaverde.blogspot.com/