domingo, outubro 05, 2008

O VOTO É UMA “ARMA”?

Caros amigos leitores, no momento em que pousarem os olhos neste artigo faltarão, apenas, 15 dias para as eleições que darão forma à IX Legislatura da Assembleia Legislativa da Região e, em consequência, ao X Governo dos Açores.
Conforme se pode ler no Portal do Cidadão (1), embora, hoje, o voto seja um direito universal, isto é, generalizado à grande maioria dos cidadãos (todos os indivíduos maiores de 18 anos, sem distinção de etnia, sexo, crença ou classe social), o seu exercício foi durante muito tempo exclusivo de alguns, poucos, nomeadamente ao nível das classes, da etnia e até do género.
Na verdade, poucos saberão, e muitos já esqueceram, que só com o 25 de Abril foi permitido a todas as mulheres o direito de voto. A primeira mulher a votar em Portugal foi Carolina Ângelo (e primeira mulher a votar no quadro dos doze países europeus que vieram a constituir a União Europeia), em 1911, contornando a lei que só permitia votar aos cidadãos maiores de 21 anos que fossem chefes de família ou que soubessem ler e escrever (ela era médica, mãe e viúva). Por causa disso, foi modificada a lei para que abrangesse, apenas, o sexo masculino. Em 1931, pela primeira vez, na história política do país, as mulheres foram consideradas como eleitoras. Este decreto, contudo, era bastante limitativo, pois, apenas, permitia que as mulheres votassem para as juntas de freguesia, desde que fossem chefes de família (2). Significa isto que o direito ao voto constitui-se, assim, também, como o resultado de muitas lutas e conquistas ao longo da História.
Em Portugal, o voto nunca foi considerado uma obrigação (existem países, como o Brasil, que decidiram fazer dele um acto obrigatório). A nossa Constituição enquadra-o como um direito de participação política mas, também, como um “dever cívico”, lembrando, de alguma forma, o percurso e esforço de alguns para nos oferecerem esta possibilidade.
Apesar disso, ao longo das últimas três décadas foi-se entranhando o conceito de que o voto era “a arma do povo”. A única e última forma de expressão da vontade popular. Conceito instrumental fomentado por várias forças partidárias que se enquadraram no regime democrático mais como canais de protesto e reivindicação e menos como parceiros do desenvolvimento sustentado. Esta concepção, assente no “esvaziar do cartucho” num só premir do gatilho (o acto de votar), pretende ignorar a necessidade e obrigação do cidadão-eleitor acompanhar e fiscalizar o sistema político, contribuindo, diariamente, para o aprofundamento do regime democrático.
Ora, o voto não é uma delegação de poderes que (não) se renova de quatro em quatro anos no dia das eleições. É um compromisso e uma responsabilidade perante os valores do presente e expectativas de um futuro que carregamos contínua e empenhadamente no nosso dia-a-dia. Não comungo, pois, das teses de desresponsabilização individual, no dia das eleições que, a meu ver, culminam na desresponsabilização colectiva, durante a totalidade dos mandatos. Nem poderia, por isso, alguma vez, acompanhar os defensores da abstenção como manifestação de desagrado colectivo perante o regime político ou os políticos.
O voto, ou o não voto, não são armas. O voto é uma responsabilidade e uma responsabilização. Responsabilidade para quem o emite, ainda que no livre exercício de um direito, como manifestação empenhada e consciente de um cidadão que contribui para uma deliberação quanto ao presente, mas sobretudo quanto ao futuro, do colectivo onde se insere. Responsabilidade, também, por um escrutínio diário que declara querer fazer ao contrato político que celebra com o seu eleito e, bem assim, com todos os restantes eleitos, mesmo que de outras forças partidárias. Responsabilidade que reforça a legitimidade de indignação, ou celebração, se for caso disso, e que, só assim, contribuirá para a efectiva responsabilização dos eleitos pelos compromissos que declararam querer cumprir.
Creio, contudo, que, também, nesta matéria, tem faltado pedagogia democrática à maioria dos responsáveis políticos regionais. Temo, aliás, que sem essa pedagogia e sem algumas prementes reformas nas instituições de governo próprio da Região, dentro de poucos anos, as taxas de abstenção, em actos eleitorais regionais, comecem a rondar, perigosamente, os 55 a 60%. Algo terá, obrigatoriamente, de ser feito. Também por (para) isso, o nosso voto, dia 19 de Outubro, contará.

(1)http://www.portaldocidadao.pt/PORTAL/pt/Dossiers/DOS_como+exercer+o+direito+de+voto.htm
(2) http://pt.wikipedia.org/wiki/Sufr%C3%A1gio_feminino

Angra do Heroísmo, 1 de Outubro de 2008