domingo, outubro 19, 2008

EDUARDO LOURENÇO – 85.º

“Citar um autor nacional, um contemporâneo, um amigo ou inimigo, porque nele se aprendeu ou nos revimos com entusiasmo, é, entre nós, uma raridade ou uma excentricidade como usar capote alentejano. A referência nobre é a estrangeira por mais banal que seja, e quem se poderá considerar isento de um reflexo que é, por assim dizer, nacional?”. Pois, Senhoras e Senhores, acabo de citar Eduardo Lourenço, no seu «Labirinto da Saudade» (1), por causa da realização, em Lisboa, nos passados dias 7 e 8 de Outubro, de um congresso internacional (2) sobre o pensamento e obra do autor, em forma de celebração do seu 85.º aniversário.
Nascido em 23 de Maio de 1923, embora conste do assento de nascimento a data de 29 de Maio, em S. Pedro do Rio Seco (concelho de Almeida, distrito da Guarda) Eduardo Lourenço de Faria, filho de Abílio de Faria, 2.º Sargento de Infantaria, e de Maria de Jesus Lourenço, já justificava dos seus pares muito mais que comendas (e são muitas).
Mas quem é o Eduardo Lourenço? “Se me conhecesse minimamente, como é sua obrigação, não me fazia essa pergunta porque sabe que ela não tem resposta. E, sobretudo, resposta minha. Em geral, nós somos o discurso dos outros. Nós, por nós próprios, não temos discurso. Não devemos ter…” (3)
Fora de Portugal desde 1954, nunca dele saiu: “Sou muito contraditório. Tenho as contradições de todos os Portugais possíveis. E sempre quis articular as contradições da nossa História e da nossa Cultura, percebendo como funcionam, nessa realidade labiríntica que recusa o preto e branco. Eu estou dentro dessas contradições e tento...pensá-las” (4).
Um pensador mais do que português porque “um português que é só português não é português”, mas que sempre tem o seu povo como sujeito e «Portugal como destino»: “Povo missionário de um planeta que se missiona sozinho, confinado ao modesto canto de onde saímos para ver e saber que há um só mundo, Portugal está agora em situação de se aceitar tal como foi e é, apenas um povo entre os povos. Que deu a volta ao mundo para tomar a medida da sua maravilhosa imperfeição” (5).
Povo que lhe pede contributos (6) e textos sobre tudo e sobre nada: Descobrimentos, Eça, Pessoa, Camões, Iraque, América, Europa, Portugal, uma lista infindável como que havendo da sua parte quase uma obrigação para responder a todos os desafios. Será Eduardo Lourenço a “vaca sagrada" da intelectualidade portuguesa? “Eu não me sinto mas pelos vistos tomam-me! Isso realmente é difícil para mim de assumir. Isso vem do facto da minha tragédia subjectiva: eu não saber dizer não.” (3) Mas não acha que é mais reconhecido do que lido? “De certeza, mas creio que isso acontece com muita gente. Ainda ontem uma pessoa muito conhecida (…) disse-me: “Ah, Lourenço, os seus livros são muito difíceis”. Não sou um escritor muito pedagógico, exijo um certo esforço do leitor. Mas não me queixo. Sei que não posso ser um autor popular, pronto” (7).
Eduardo Lourenço, do nosso tempo e do tempo dos outros (8), cuja constante reflexão tem constituído, segundo um dos seus mais convictos, Guilherme d’Oliveira Martins, “uma oportunidade para ultrapassarmos um atávico conformismo, uma tendência para nos ficarmos pela superfície das coisas e uma sistemática ilusão sobre os nossos males irremediáveis e sobre a fatalidade da nossa história”.
Contudo, sobre o significado da sua figura, bastam-me as palavras de Helena Vaz da Silva: “Ela é primícias e símbolo dos portugueses de que precisamos no futuro: heterodoxos, inteligentes e livres”. Será preciso dizer mais?

(1) http://www.gradiva.pt/capitulo.asp?L=28005
(2) http://www.eduardolourenco.com/
(3) Pública, 26 de Maio de 2003
(4) Visão, 22 de Maio de 2003
(5) http://www.gradiva.pt/capitulo.asp?L=28002
(6) http://www.youtube.com/watch?v=B8TGqpHqp04
(7) http://static.publico.clix.pt/docs/cultura/eduardolourenco/09.html
(8) http://www.ieei.pt/files/EduardoLourenco.pdf

Angra do Heroísmo, 14 de Outubro de 2008