domingo, janeiro 13, 2008

MORDER A LÍNGUA…

A propósito das declarações do Deputado Nuno Amaral (*), sobre as potencialidades financeiras da videoconferência, face aos custos das deslocações inter-ilhas dos Deputados regionais - “a videoconferência, com excepção dos plenários parlamentares, resolvia perfeitamente a situação e evitava gastos desnecessários" -, perante o perigo da mistificação demagógica, julgo ser de fazer os seguintes sublinhados:
a) Os Deputados com assento na Assembleia Legislativa são representantes de toda a Região e não dos círculos por que foram eleitos (artigo 21.º do Estatuto Político-Administrativo);
b) As comissões parlamentares são órgãos políticos, nascidas de outro órgão político, às quais incumbe, não só, a análise técnica de documentos e questões pendentes mas, sobretudo, a construção da antecâmara do debate político a ter lugar em plenário da Assembleia (só assim se explica a obrigação de representatividade proporcional das diferentes forças políticas nas comissões - artigo 42.º daquele Estatuto).
Como tal, a virtuosa adesão a meios tecnológicos, aliada a, eventuais, necessidades contabilísticas, ainda que possa justificar, casuisticamente, o uso da videoconferência, pelo parlamento açoriano, em caso algum poderá condicionar:
a) A obrigação de todos os Deputados conhecerem, in loco, a realidade do arquipélago que se conjuga com o, necessário e efectivo, exercício do mandato de Deputado em todas as ilhas (Em causa está o que de melhor há no sistema político açoriano, tal seja, a democracia de proximidade. Só assim se contribui para a construção de uma unidade regional, só assim se aceita que na proposta do revisão do Estatuto conste, como futuro dever dos Deputados, uma visita a “cada uma das ilhas da Região, pelo menos, uma vez em cada legislatura”);
b) O eficaz cumprimento, no âmbito das comissões parlamentares, do mandato político de fiscalização, debate, contradição e aclaramento das questões regionais, desenvolvido entre as diferentes representações políticas, ou perante o Governo Regional.
Ou seja, esta é a defesa da Assembleia Legislativa enquanto órgão político. Assim, é meu entender que os benefícios da videoconferência serão, exclusivos, no âmbito do trabalho parlamentar, de: a) subcomissões; b) questões técnicas que as comissões queiram esclarecer; c) audições de entidades externas ao sistema político regional, nas quais o parlamento tenha interesse, ou obrigação, considerando o âmbito das suas competências.
Questão conexa, a ser avaliada, no âmbito dos trabalhos da Comissão para a Reforma do Parlamento, é a do absentismo, ou não, dos Deputados, às reuniões das comissões, especialmente, as que se realizam em ilhas diversas das da sua residência. Para esse problema urge estipular um regime de faltas transparente e fiável (com repercussão directa nos direitos e regalias dos Deputados e no exercício do seu mandato), que permita que o princípio da representatividade regional, enquanto pedra angular do sistema democrático açoriano, esteja, convenientemente, acautelado.
A actividade política na Região tem custos inerentes à sua condição arquipelágica. Tal, não obsta a que a avaliação desses custos possa ser feita, de modo transparente e esclarecido, pelo eleitorado, ao qual é devido um esforço de informação e justificação de todos os gastos. Do, eventual, excesso, na equação gastos/resultados, caberá, sempre, reclamação para as entidades competentes no âmbito da hierarquia política ou judicial e, em última análise, para o sufrágio quadrienal (eleições).
Concluindo, qualquer reforma parlamentar na forja não pode esquecer os fundamentos da arquitectura política regional e, sobretudo, que o primeiro beneficiário dessa mudança deve ser o cidadão-eleitor. Sendo assim, em matéria de custos [como o (de)uso da videoconferência, ou outros] parametrizar a Assembleia Legislativa com uma empresa, ou um serviço público, é um caminho, demasiado, arenoso para ser trilhado com ligeireza. Mais vale morder a língua…

(*) http://www.da.online.pt/news.php?id=132058

Sé, 8 de Janeiro de 2008