BAUDELAIRE, O HERÓI MODERNO
“Este mundo adquiriu uma espessura de vulgaridade que confere ao desprezo pelo homem espiritual a violência de uma paixão. Mas há carapaças felizes que nem o próprio veneno seria capaz de atacar”. Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867) ajustou a imagem do artista à imagem de herói, verdadeiro sujeito da Modernidade. Viver a Modernidade exige uma construção heróica transformando as paixões e a decisão como o romantismo transfigura a renúncia e a entrega, “podemos afirmar que, se todos os séculos e todos os povos tiveram a sua beleza, nós temos inevitavelmente a nossa”.
Assim, “vai, corre, procura”. O nosso herói “procura aquela qualquer coisa a que irão permitir-nos chamar modernidade”. Que Modernidade? O “transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável”. Que herói? O operário escravizado, o flâneur, o apache, o dandy, o conspirador. Todos – o poeta!
Nos primeiros anos de vida literária o objectivo era, simbolicamente, a conquista da rua “vejo-o voando à minha frente, rua abaixo, rua acima, a compor versos: nunca o vi sentado à frente de uma resma de papel”, os seus amigos admiravam-lhe a ausência dos vestígios burgueses do trabalho, e a rua tornou-se, cada vez mais, um refúgio. A fragilidade da existência material, e a sua consciência, tornam a miséria uma virtude do herói desapossado. O Flanêur. E, se as resistências da modernidade são desproporcionais ao ímpeto produtivo natural do homem, o suicídio é solução, enquanto paixão heróica que nada concede a um modo de pensar hostil. "Só precisamos abrir os olhos", é preciso declarar-se adepto de uma causa. O Apache rejeita as virtudes, a lei e o contrato social, “tive a imprudência de ler esta manhã algumas folhas públicas e, de repente, uma indolência com o peso de vinte atmosferas caiu sobre mim, e detive-me diante da pavorosa inutilidade de explicar o que quer que seja a quem quer que seja”.
O sonho heróico é embalado entre extremos. Há uma linha de continuidade entre o desprendimento e a grandeza. A Modernidade não está preparada para o herói oferecendo-lhe o ócio. Eis o Dandy, um “Hércules para o qual não há nenhum trabalho”, aquele que constitui “o último vislumbre do heroísmo em tempos de decadência”.
Baudelaire não gostou da sua época e assumiu todas essas “casacas”. A teoria da Modernidade aceita o Poeta como último herói que constrói a sua obra com a escória das grandes cidades, mas esse herói moderno não é herói – representa papéis de herói. Nos últimos dias, o “herói moderno”, que não podia passear tranquilamente pelas ruas de Paris, sentiu a aspiração à imortalidade e quis ser lido como um autor antigo “todo o livro que não se dirigir à maioria – em número e inteligência – é um livro tolo”. Com Baudelaire “Toda a modernidade é digna de um dia se tornar antiguidade”.
A ler:
As Flores do Mal, Charles Baudelaire. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, 1996
A Invenção da Modernidade – sobre Arte, literatura e Música, Charles Baudelaire. Ed. Relógio D’Água, 2006
A Modernidade, Walter Benjamin. Ed. Assírio&Alvim, 2006
Ponta Delgada, 22 de Junho de 2007
Publicado no Suplemento de Cultura do Açoriano Oriental
Assim, “vai, corre, procura”. O nosso herói “procura aquela qualquer coisa a que irão permitir-nos chamar modernidade”. Que Modernidade? O “transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável”. Que herói? O operário escravizado, o flâneur, o apache, o dandy, o conspirador. Todos – o poeta!
Nos primeiros anos de vida literária o objectivo era, simbolicamente, a conquista da rua “vejo-o voando à minha frente, rua abaixo, rua acima, a compor versos: nunca o vi sentado à frente de uma resma de papel”, os seus amigos admiravam-lhe a ausência dos vestígios burgueses do trabalho, e a rua tornou-se, cada vez mais, um refúgio. A fragilidade da existência material, e a sua consciência, tornam a miséria uma virtude do herói desapossado. O Flanêur. E, se as resistências da modernidade são desproporcionais ao ímpeto produtivo natural do homem, o suicídio é solução, enquanto paixão heróica que nada concede a um modo de pensar hostil. "Só precisamos abrir os olhos", é preciso declarar-se adepto de uma causa. O Apache rejeita as virtudes, a lei e o contrato social, “tive a imprudência de ler esta manhã algumas folhas públicas e, de repente, uma indolência com o peso de vinte atmosferas caiu sobre mim, e detive-me diante da pavorosa inutilidade de explicar o que quer que seja a quem quer que seja”.
O sonho heróico é embalado entre extremos. Há uma linha de continuidade entre o desprendimento e a grandeza. A Modernidade não está preparada para o herói oferecendo-lhe o ócio. Eis o Dandy, um “Hércules para o qual não há nenhum trabalho”, aquele que constitui “o último vislumbre do heroísmo em tempos de decadência”.
Baudelaire não gostou da sua época e assumiu todas essas “casacas”. A teoria da Modernidade aceita o Poeta como último herói que constrói a sua obra com a escória das grandes cidades, mas esse herói moderno não é herói – representa papéis de herói. Nos últimos dias, o “herói moderno”, que não podia passear tranquilamente pelas ruas de Paris, sentiu a aspiração à imortalidade e quis ser lido como um autor antigo “todo o livro que não se dirigir à maioria – em número e inteligência – é um livro tolo”. Com Baudelaire “Toda a modernidade é digna de um dia se tornar antiguidade”.
A ler:
As Flores do Mal, Charles Baudelaire. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, 1996
A Invenção da Modernidade – sobre Arte, literatura e Música, Charles Baudelaire. Ed. Relógio D’Água, 2006
A Modernidade, Walter Benjamin. Ed. Assírio&Alvim, 2006
Ponta Delgada, 22 de Junho de 2007
Publicado no Suplemento de Cultura do Açoriano Oriental
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