domingo, setembro 12, 2004

(Dis)paridades

«Quando é que as mulheres chegam ao poder?Quando for necessário varrê-lo!»

OS FACTOS
Esta infeliz graçola assaltou-me ao tomar conhecimento de que os partidos políticos regionais, PS e PSD, apresentavam nas suas listas a Deputados um número de mulheres que ronda os 30%. Contudo, o que começou como uma graça acabou numa soturna conclusão. Ao fazer alguns cálculos verifiquei que aquela percentagem será mais reduzida quando olhamos só para lugares elegíveis e, ainda mais, quando integrados os elementos do PSD nas listas coligadas.À distância de uns cliques pude, também, observar o seguinte:a) Em 2004 no universo dos 52 Deputados da Assembleia Legislativa Regional, apenas descortinamos 5 mulheres (todas na bancada do PS) . Ou seja, apenas 10% do parlamento regional é feminino (em 1991 quando visitei o parlamento sueco já as mulheres estavam em maioria);b) Em 2002 a população masculina na Região era de 118 121 e a feminina 120 646 ;c) Em 2002 a população activa masculina na Região era, aproximadamente, de 65 900 e a feminina de 37 800 ;d) Em 2001 a percentagem de funcionárias na administração regional autónoma era de 63% ;e) Em 2001 70% dos funcionários da administração regional autónoma com instrução superior eram mulheres ;f) Em 2001 dos 448 cargos de pessoal dirigente na administração regional autónoma, 241 eram ocupados por homens e 207 por mulheres .
O PENSAMENTO
O mundo nasceu masculino-feminino, mas desde então os dois sexos são separados e hierarquizados em favor do macho. Sobrevivência, trabalhos braçais e guerras tudo exigiu força. Da Idade Média aos nossos dias o detentor da autoridade pública foi: um padre encarnando a legitimidade espiritual do poder; um guerreiro capaz de esmagar o inimigo; um explorador colonizando terras virgens; um sábio iluminado pela luz da justiça; um engenheiro montando as rodas do capitalismo; um administrador na complexidade do Estado.A condição feminina, não obstante, evoluiu mais ao longo dos últimos 30 anos do que ao longo dos séculos anteriores. Considerando que as leis da natureza humana também evoluem, a velha fórmula da «lei do mais forte» está condenada. Deixamos a economia do músculo para entrar na do afecto. O novo poder é o da influência, com uma forma de dirigir inversa do método masculino: envolvimento afectivo mais do que racionalização, persuasão mais do que avanço em força, intuição mais do que rigor, consenso e não autoridade.A divisão de forças no palco social, económico, cultural e político inverteu-se, e o 3.º milénio apresenta-se feminino. Mudança de era, mudança de atitude, passamos da autoridade guerreira para a autoridade de concertação. Menos egocentrismo, mais federalismo; menos tecnocracia, mais sentido prático e acima de tudo mais tolerância e ética, são estas as marcas da nova geração.A questão da mulher deve, pois, ser entendida como civilizacional.
A ACÇÃO AFIRMATIVA
Face ao problema estrutural que a Região tem em relação a esta perspectiva de modernidade, impõe-se uma acção.Uma forma de superar os obstáculos descritos será de ir além do princípio da igualdade de oportunidades e dar um tratamento preferencial aos membros do género desfavorecido. Trata-se de uma acção afirmativa – ou discriminação positiva. Falo, claro está, da quota feminina que parece ter sido acolhida, a título indicativo, pela partidocracia regional, estipulando um patamar mínimo de 30% (recentemente algumas iniciativas legislativas na Assembleia da República pretenderam legalizar uma quota mínima de 33%). Aos olhos do mundo num espaço de 6 meses duas soluções foram postas em prática: em Espanha, Zapatero promoveu um governo paritário (50% homens, 50% mulheres); na Comissão Europeia Durão Barroso ficou-se pela quota dos 30% (8 mulheres em 25 comissários).Considero que a quota, embora possa representar a esperança mais forte de redução de antigas e persistentes desigualdades (os países escandinavos começaram por aqui), não deixa de ser polémica, seja quando escolhe elementos do sexo feminino em detrimento dos do sexo masculino, seja quando estabelece uma quota mínima de apenas 30% não espelhando a condição feminina da sociedade moderna açoriana. É legítimo presumir que 20% das mulheres açorianas abdicaram em favor de uma governação pelos homens? E que dizer daqueles homens que estão dispostos a abdicar da sua quota de 70% nas listas em favor de mais mulheres?Ora, qualquer olhar para esta questão deve ser integrado pela ética e não pelo jurídico, ou seja, esta polémica só poderá resolver-se face à ponderação dos interesses em causa. Se no contexto do objectivo geral da igualdade social uma maior representação das mulheres na política é incontornável face ao que já aqui se expôs, esse princípio e a sua aplicabilidade devem ser correctos na consideração dos interesses da sociedade açoriana, pelo menos nas suas aspirações.
O DESAFIO
Não tendo sido atingido este desígnio nas listas a Deputados estou em crer que o IX Governo Regional, considerado o número de secretários e directores regionais, não pode deixar de ser paritário, não para que haja um «mulheres ao poder» mas sim para que tenhamos «mulheres com poder». E, se para tanto puder ajudar, não me importo de ficar com a vassoura!