QUARTA AUTONOMIA
Saiu! Falo-vos da VI Revisão Constitucional, publicada em Diário da República de dia 24 de Julho, quase à sorrelfa, entre banhos, fogos e leituras diagonais do Programa do XVI Governo Constitucional.Dir-me-ão V. Ex.as, aqueles que resistiram ao primeiro parágrafo, que nada de novo vos trago. De facto, desde 23 de Abril, data da sua aprovação em sede de Assembleia da República, já muito se escreveu e reescreveu, já muitos adjectivos e pronomes possessivos se lhe colaram, já se exaltaram os corifeus do centralismo e os mestres e doutores usaram do seu tempo de antena teorizando os novos horizontes jurídico-constitucionais. Contudo, se me é permitida a franqueza, ela apresenta-se “manca” de uma perspectiva, aquela daqueles que, como eu, nasceram ou fizeram todo ou a maioria do seu percurso escolar na autonomia de 76 e que, agora, são parte activa desta Região.Falo-vos da geração da autonomia constitucional, a geração que terá a seu cargo aquilo que gostaria de apelidar, que me perdoem pela pretensão Aristides Moreira da Mota, Francisco d’Athayde Faria e Maia e Álvaro Monjardino, de quarto movimento autonómico. Contrariamente aos anteriores, em que destacamos com facilidade figuras e elites políticas que assumiram esta conquista como um desígnio pessoal, em favor do colectivo, o quarto movimento autonómico não tendo, por ora, um rosto (a História encarregar-se-á de o revelar), assenta numa geração que, por nascer e crescer na autonomia democrática e globalizada, tem-na por adquirida, e que, se por ela não lutou nem esgrimiu argumentos, não deixa de a sentir como inalienável.Tenho em meu crédito a factualidade. Na verdade, conseguimos descortinar, sem esforço, que a coisa pública ou as administrações, associações ou corporações privadas já apresentam e representam, actualmente, um acervo de Açorianos de uma geração técnica e tecnologicamente apetrechada e ambiciosa, que pratica a paridade, com sólida consciência social e ambiental, que fomenta a qualidade e inovação, e que facilmente procura soluções em Bruxelas, Nova Iorque ou Londres. Com os alicerces deste movimento, com a normalidade de uma sociedade democrática impõe, sem fracturas epistemológicas, sem fugas ou mimetismos ao Terreiro do Paço, serão definidas as novas prioridades de um projecto social global, que não pode perder de vista a chegada, até 2010, de 40 mil jovens ao mercado de trabalho.Ora, e para economia do presente texto, para que foi aqui chamada à colação a revisão constitucional? Por dever de ofício, e por ideal autonómico, acompanhei este “parto” de perto. Acompanhei-o ao ponto de crer que, apesar de não ter sido a Revisão que sonhei (voltarei à liça em 2009), posso nela descortinar, com “cautelas e caldos de galinha”, mais do que uma janela, um mar, porque de Mar percebemos nós, de oportunidades, que digo, com segurança, as Revisões de 82, 89 e 97 não conseguiram trazer às autonomias. O ponto arquimediano atingido, porque, desiludam-se os puristas, se tratou de um processo negocial pela natureza das coisas em regime democrático, encerra no seu âmago um impulso autonomista para o século XXI.Não vos maçando com derivas político-constitucionais ou com análises jurídico-formais, quero fazer um alerta para o que esta Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, pode representar: um verdadeiro desafio geracional. A reconstrução de todo um novo ordenamento jurídico regional que, desagrilhoado dos quadros definidos pela administração central ou das matrizes ideológicas que, atravessando o Atlântico, se nos impuseram sob a forma de leis gerais da República, será a pedra angular de todo o desenvolvimento autonómico futuro. Não caberá a cada geração uma «ténue força messiânica»?Contudo, e para finalizar, se este é o impulso onde residirá a contratualização, necessária, entre a vontade política e a geração emergente, no sentido da densificação deste «novo mundo»?As exigências que esta revisão constitucional acarreta, integradas por uma dimensão de modernidade, levam-nos a apontar a direcção da reforma estrutural das instituições autonómicas na procura de uma estratégia de concertação regional e de projecção internacional. O imperativo desta oportunidade, a impensável postergação desta mais valia, obriga os órgãos de governo próprio da Região, a repensarem, sem dramatismos, nem autismos, toda a sua filosofia. Estão em causa, por insuficiência ou inadequação, os actuais processos e canais de iniciativa, elaboração, discussão e aprovação do universo político-normativo regional. E é mais uma vez a realidade que me suporta. A título de exemplo, considere-se, por um lado, que entre 70 a 80 % do universo jurídico nacional tem como fonte a União Europeia e que com a Revisão Constitucional a competência para a transposição de directivas comunitárias voltou a ser da Região. Considere-se, por outro, que face ao processo de renovação legislativa supra apontado e sabendo que a iniciativa legislativa do Governo Regional perante a Assembleia Regional ronda aquelas percentagens, a administração regional autónoma, decalque do centralismo lusitano, e em cujos quadros apenas 5% dos funcionários tem formação superior (descontados professores, médicos e enfermeiros) – espantosamente, no órgão legislativo regional a percentagem é, igualmente, de 5% - , ainda não se encontra estruturada ou, suficientemente, habilitada para acompanhar as necessidades emergentes.Assim, porque não tomo a nuvem por Juno, cabe-me confiar que estas perspectivas serão tidas em conta na elaboração dos programas de Governo dos partidos concorrentes às eleições de Outubro e na identificação dos eixos prioritários para a Região no próximo quadro comunitário de apoio, e que o futuro Estatuto Político-Administrativo (25 anos depois do primeiro Estatuto definitivo), venha beber destas humildes impressões.Esta será a minha bandeira, poderá, para alguns, ser pequena, mas é aquela que vou hastear no meu terraço.
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