sábado, setembro 18, 2010

OS UMBIGOS CONSTITUCIONAIS E AS TRÊS TRAIÇÕES DO PSD/AÇORES

Para aqueles que, como eu, defendem que todas as oportunidades são boas para rever a Constituição na parte das Autonomias, a versão final do Projecto de revisão constitucional da autoria do PSD, e respectivo percurso, só pode originar um estado de alma: Perplexidade!
Perplexidade pelo conjunto equívocos políticos, ausência de ambição autonómica e fragilidade técnica das soluções propostas e sufragadas pelo PSD/Açores.
Se quanto a esta última vertente, que não é factor de somenos pelas implicações futuras que uma redacção menos feliz pode acarretar, remeto, por humildade intelectual, para as considerações quase jocosas do Prof. Jorge Miranda (SICNotícias, dia 15 de Setembro p.p.), já as questões políticas e, especialmente, a falta de visão para a Autonomia, de um partido que se comporta como «pai» da mesma, não podem passar em claro.
Na verdade, a menos que uma cegueira «saramaguiana» assole os sociais-democratas da Região todo este processo não pode fugir a um libelo: Traição. Uma acusação que parece forte, mas que colhe conforme passo a explicar.
As revisões constitucionais na parte das autonomias têm seguido uma linha de orientação que é ponto assente por todos os políticos e estudiosos da matéria: primeiro, conseguir resolver questões constitucionais pendentes face à jurisprudência do Tribunal Constitucional (em 97 e 2004); segundo, introduzir avanços políticos na configuração das autonomias face à organização do Estado (em 82 e 89).
Ora, como é público, desde 2004 (ano da última revisão constitucional) várias controvérsias constitucionais foram sendo elencadas, em especial, nos últimos dois anos, a propósito do processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo. É, pois, à conta deste enqadramento que descortino a primeira traição do PSD/A. A traição ao Povo Açoriano e à instituição que o representa, a Assembleia Legislativa da Região, enquanto proponente de soluções, unanimemente, votadas nos Açores mas, posteriormente, declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional ou vetadas politicamente por Cavaco Silva.
Ou seja, quer no Projecto anunciado, apresentado, aprovado, depois Pré-Projecto, retocado, alterado, re-aprovado, reapresentado, quer, finalmente, na versão final, por muito que nos queiram fazer esquecer, o que se regista é que, no que é subscrito pelo PSD/A, não existem soluções concretas, sequer afloramentos, para questões constitucionais como: a criação de provedores sectoriais regionais; as audições pelo Presidente da República no âmbito da dissolução da Assembleia Legislativa da Região ou da declaração de estado de sítio ou emergência; ou, ainda, para a audição qualificada pelos órgãos de soberania dos órgãos regionais.
Mais, o esforço constituinte, ou a falta dele, conduziu à demissão de soluções constitucionais, realmente, clarificadoras das competências legislativas e quanto a relações externas da Região. Omissões graves, disfarçadas com silêncios cúmplices onde valores, outros valores, se impuseram.
Mas, tudo isto até poderia surgir com menos reparo se o PSD/A se tivesse ancorado no segundo pressuposto das revisões constitucionais, fomentar novas conquistas políticas para as autonomias. Em boa verdade, com um mínimo de esforço teria sido possível represtinar um conjunto de matérias centrais de muitas das questões autonómicas do período 80-96 e quantas vezes afloradas nos arroubos autonomistas de muitos dos fiéis seguidores. Mais uma vez não o fizeram! Porque não o souberam? Porque não o quiseram? Porque não lhes foi autorizado?
Esta configura a segunda traição do PSD/A. A traição à sua História e ao seu património autonómico. Continuar a ignorar a solução constitucional dos votos dos emigrantes para a ALRAA (que a proposta do PSD/Madeira não esquece); avançar para a «peregrina» solução de um Representante da República comum para as regiões autónomas, quando nem o PSD/Madeira nem o PS/Açores defendem a continuidade dessa figura; abster-se, sequer, de procurar evitar o veto de gaveta dessa espúria figura; esquecer a criação de partidos de índole regional, encolher-se na solução para a «guerra das bandeiras», etc..., tudo se configura como demasiado infeliz.
Mas, se tudo isto já seria justificativo suficiente para este arrazoado não podemos deixar de assentar outra espantosa traição do PSD/A. A traição para com os próprios órgãos do partido.
Ao que parece, tudo terá começado na noite da eleição do líder nacional do PSD e no anúncio do grupo de trabalho para a revisão constitucional. A líder do PSD/Açores, talvez movida por um voluntarismo oportunista, foi lesta em designar o Deputado Pedro Gomes para a missão, ungido de poderes ou saberes que ainda hoje se desconhecem. Dos trabalhos do azórico representante pouco ou nada se soube, sequer se foram dados a opinar ou aprovar aos seus companheiros e dirigentes. Pior, desde a noite da apresentação, no famoso Concelho Nacional, o que a líder do PSD/A tornou público, «sem dar cavaco» aos seus, foi o franco (?) regozijo por um “excelente projecto de revisão constitucional que respeita os compromissos políticos do presidente do PSD quanto às autonomias e confirma o seu empenho no aprofundamento do processo autonómico”, excepto … na parte do Representante da República, uma «originalidade» que, pelos vistos, é bastarda de mãe e pai. E se esse famoso projecto, durante dois meses sofreu mandos e desmandos, melhorias, aperfeiçoamentos ou remendos de «arrojo» em tantos outros capítulos, a excepção tocou às autonomias. (In)acção de quem?
O que resta, pois, é um molho de dúvidas contra uma singular certeza: a de que todas e quaisquer soluções que beliscassem a interpretação constitucional de Cavaco Silva para autonomias, fossem ignoradas, omitidas, escondidas.
Assim, por método ou soberba, o PSD/A não procurou consensos com o PS/Açores, caminho natural e único para fortalecer posições e soluções junto de Lisboa. Inclusive, sequer procurou concertar objectivos com os seus congéneres da madeirenses, já que, hoje, o PSD/Madeira declara, para quem quer ouvir, apenas contar com o PS/Açores para garantir soluções constitucionais que assegurem uma evolução do processo autonómico.
Este terá sido, afinal, o PSD/A de alguns. O PSD/A que foi empurrado para as soluções de Cavaco Silva e dos dirigentes nacionais, rasgando compromissos, renegando a sua História e desrespeitando os seus órgãos. A troco de quê? Ignora-se…
Este é, afinal, um PSD/Açores cada vez mais exíguo. Exíguo nos conteúdos, nas proposituras e, necessariamente, nas lideranças. Este partido parece, infelizmente, cada vez mais PSD e cada vez menos Açores.

No Diário Insular