domingo, agosto 27, 2006

(MÁ) FICÇÃO

Leituras em noites de Verão. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
Guião 1: Os Índios Sempre em Pé.
Viviam umas tribos de índios em ilhas isoladas no meio do mar azul. Havia quem lhes chamasse ilhas do paraíso, mas estavam os nativos em sobressalto com a falta de poção para a dança da chuva do seu conselho. “Um dia corre mal!” diziam os anciãos mais avisados. Vai daí, o conselho dos índios reuniu e decidiu, “Já é tempo de se evitar uma desgraça, muitos tentaram e nada conseguiram, desta vez é que vai ser”. Pediram às tribos que indicassem os seus melhores feiticeiros. Assim o fizeram. Contudo, uns porfiavam mais que outros. E os feiticeiros da tribo Pé Só arranjaram uma bela poção mágica. Era suposto a comunidade ficar alegre, mas a tribo dos índios Pé Sempre Descalço ficou com dor de cotovelo e gritou “Assim não vale”. Criou-se um mal-estar pois, se a poção era mágica, ninguém compreendia. Vai daí os Pé Sempre Descalço trataram de arranjar argumentos para atrapalhar. Fizeram reunião geral a que compareceram meia dúzia (os outros tinham mais com que se animar) e decidiram fazer uma poção com menos ingredientes. Contudo, o chefe daqueles, candidato a chefe dos chefes, fez notar “Olhem que isso pode dar asneira, vamos dizer que queremos com ingredientes diferentes”. Pelo que logo disseram: “Como isso não vai de acordo com o pantagruel, há que juntar mais 3 ingredientes”. “Essa poção não é nada mágica” asseveraram os índios Pé Só e as coisas arrastaram-se até que a data da dança da chuva se foi aproximando. Então os Pé Sempre Descalço passaram a argumentar que agora estava demasiado próximo do dia e que não se podia experimentar a nova poção. Mesmo assim a poção foi enviada ao concílio dos deuses que, vivendo tempos de trapalhada, nada decidiu (note-se como o argumentista é fraco e aqui mistura os clássicos). Na dança da chuva daquele ano, de novo, dançaram melhor os Pé Só. O que constituiu grande vergonha para os Pé Sempre Descalço, cujo candidato a chefe dos chefes, calçando-se, foi fazer a travessia do deserto. A questão da poção mágica voltou a debate e os Pé Sempre Descalço repetiram os argumentos. Contudo, os Pé Só, que não estavam para mais delongas, aprovam e enviam-na para o concílio dos deuses, onde as coisas pareciam encaminhadas, uma vez que a poção era mesmo mágica. Todas as mais pequenas tribos estavam de acordo, menos os Pé Sempre Descalço. Estes, entretanto, mudam de candidato a chefe dos chefes, que não tarda em dizer que os chefes anteriores (que, por acaso, eram os mesmos que os actuais menos o outro que foi para o deserto) não percebiam nada do assunto pois, afinal, a poção mágica, em vez de mais, devia ter menos ingredientes (Quais? Incógnita!). Vai daí, atropelando toda a história recente, faz queixa a Zeus de que a poção, sendo mágica, não podia ser aprovada sem a preciosa colherada da sua tribo. Tentou, inclusive, comprar alguns deuses menores no concílio para que fizessem valer uma poção que ninguém conhecia. Indignava-se e, mais preocupado com a árvore do que com a floresta, gritava “Cuidado, esses novos ingredientes vão custar uma pipa de massa”. Nada lhe correu bem, nem o velho chefe índio de cara pálida se meteu ao barulho, e a poção mágica foi aprovada. Zeus ia pronunciar-se. Os Pé Sempre Descalço esfregaram as mãos “Ah, vão ver que ele nos vai dar razão e rejeita a poção”. Azar. Zeus aprovou a poção. Não disse que eram precisos menos ingredientes, nem menos caros, nem que era uma poção contra o pantagruel, apenas se zangou por não terem chegado a acordo numa poção que era mesmo mágica. Terminou a história? Não, pois os Pé Sempre Descalço em vez de corarem de vergonha tiveram o atrevimento de logo dizer “Zeus fez muito bem em aprovar a poção, pois nós tudo fizemos para que ela também fosse nossa e para que não custasse uma pipa de massa”. Nesse dia os índios Pé Sempre Descalço passaram a chamar-se índios Sempre em Pé. Também nesse dia o chefe duns índios em via de extinção, mas que sempre gosta de aparecer na foto, decidiu sair da sombra e dizer: “Temos a solução, corta-se na ração!”. FIM.
Guião 2: O Gang das Ilhas
Viviam uns índios (blá blá blá o início é igual). Mas viviam em sobressalto pois, no concílio dos deuses, o novo contabilista geral não dava garantias de contas certas todos os anos. Vai daí o grande chefe dos índios Pé Só decidiu: “Há que arranjar uma poção para que não nos enganem de novo”. Os índios Sempre em Pé (ex-índios Pé Sempre Descalço) logo se empertigaram em desafio mas se noutras não porfiaram, nesta muito menos, pois os seus feiticeiros de contas pouco entendiam. Entretanto, no concílio dos deuses alguns dos que defendem os índios disseram logo que para aprovar a poção esta teria de estar de acordo com o Pantagruel e com o bem dos índios. Mas, as coisas não estavam de feição. Primeiro um zelota (outra contradição histórica) que, por achar que os índios deviam ser tratados como os indígenas da capital, tendo de prestar devida vassalagem e dízimo, chamou-os “o gang das ilhas” pois “só queriam roubar aos pobres para dar aos ricos”. Adiante! Depois, o rei dos zulus (uma tribo que vive noutras ilhas) esganiçou-se como é seu mister “Essa poção não, que está mexer no bolso dos zulus para dar aos índios”, “Eles que se cuidem, ou entramos em guerra!” (está-se mesmo a ver que uma guerra entre zulus e índios, apelidados de gang, é um argumento sem pés nem cabeça). Bom, entretanto, no burgo das ilhas, os Sempre em Pé que não porfiam, mas muito falam, em vez de gritarem «Aqui d’el Rei» contra os zulus (primos afastados ao que contam), já decidiram sem nada ver, nem nada mostrar, que a poção dos Pé Só não pode ser coisa boa para o mundo dos índios … (Perceberam? Eu não, temo que a partir daqui o guião se vá repetir. Talvez a culpa seja do argumentista, talvez não…).

Sé, 20 de Agosto de 2006

domingo, agosto 20, 2006

DOCE VIDA

Domingo de sol no cais da Silveira:
- Como estás?
- Então? Queres melhor vida do que esta?
De facto. Percorrendo os nove torrões no meio do Atlântico todos os males do mundo parece que ficaram à entrada das 200 milhas. Apreendendo conversas giramos em torno do nada em forma de tudo. Doce Vida! Aproveitemo-la no que tem de melhor. O matraquear dos telejornais entre a guerra no Médio-Oriente e a nova ameaça terrorista em Londres não fez cair o número de festivais gastronómicos ou de arraiais nocturnos. Ao que se sabe, a aterragem de um avião israelita na Base das Lajes não fez interromper a festividades no Concelho. Nem era suposto. Da clausura do passado passamos à euforia do presente. Tudo se nos apresenta demasiado longe ou demasiado fácil. A pobreza vizinha, o subdesenvolvimento e o desespero de povos inteiros estão-nos distantes. O desmoronar do direito internacional, o terrorismo global não entranham a nossa pele de «homens feitos para outro dia-a-dia». Que boa sorte a nossa, separados pelo vidro do ecrã da TV, estaremos no paraíso? A Ocidente, pensar a Paz, a Liberdade, a Igualdade e a Solidariedade, torna-se um enfado, a curto prazo perderemos o seu sentido. Há comunidades que se lhe fecharam do mundo por condição natural. Nós, entre os dois pólos civilizacionais ocidentais, Europa e América, parecemos alienados no mundo global. A prisão da circunstância, escusa de séculos, foi quebrada. Como perceber que, com as auto-estradas do saber à distância de um clique (Internet), continuamos indisponíveis para intervir ou para nos comprometermos? Não pedindo soluções para a nova ordem internacional ou para a construção de um novo modelo social ou de desenvolvimento, nem tudo se perderia se, pensando na circunstância, nos pensássemos enquanto povo. Pondero se não somos uma comunidade por acidente? É uma ideia a desenvolver com o maior cuidado. E qual o espaço dos ideais ocidentais para a construção futura do nosso colectivo, ou da região política? Que Autonomia queremos? Que papel reservamos ao Estado nas nossas vidas? Aqui, de novo, nem cátedra, nem livro, nem jornal, nem a «mirrada» blogosfera regional, têm qualquer eficiência social. Sobre (em cima e acerca de) o povo açoriano reina o quotidiano e, infelizmente, o vulgar. Há uma terrível cegueira que nos faz esquecer os factores de coesão e de pertença comunitária. Um perigoso vazio de valores éticos e cívicos. Levados no consumismo imediatista ou pelo mediatismo consumível deixamos a floresta para olhar a árvore, o buraco na estrada, o atraso do avião, o EU. Tudo está demasiado fácil. Não se espera que faças nada. O governo dá-te a casa e o trabalho, a câmara anima as tuas noites. Outros asseguram o teu destino. Doce Engano!
Quem, na nova geração, se consegue libertar do vórtice da mediocridade ou da filodoxia? O comprometimento político surge por interesse pessoal. O empreendedorismo visa o lucro fácil. O diletantismo intelectual tem piores consequências do que o analfabetismo. Se a nossa vocação for o pensamento o afã diário não será pela construção de um mundo paralelo. Sobre o vácuo dos valores reforçam-se os populismos e demagogias de toda a índole assentes na lógica do oportunismo e das soluções instantâneas com menu predefinido. Que elite política, social ou económica ousa quebrar a letargia? Quem rompe o cerco? Quem grita? Silêncios…
O dever social do pensamento, da propositura, da novidade mantém-se. Relembrando Ortega & Gasset a quem perguntar mal-humoradamente ou com gesto desdenhoso: porque há-de o nosso tempo inovar, mudar, superar? Responderemos que «tempo é tarefa, missão e inovação».

Sé, 13 de Agosto de 2006

domingo, agosto 06, 2006

SABIA QUE …?(*)

Sabia que Portugal possui a maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia (28,44%)? E que a importância do mar dos Açores para a Europa, pode ser aferida pela dimensão da sua área nessa Zona Económica Exclusiva (953.633 Km2)?
Sabia que olhando à posição estratégica da Região no contexto mundial e às repercussões a nível económico, social e ambiental sobre os países comunitários vizinhos, os Açores podem revelar-se como um importante ponto de monitorização do tráfego marítimo, à semelhança, aliás, do que já acontece para o tráfego aéreo?
Sabia que ter em conta a realidade atlântica e insular implica, por ex.: a protecção ambiental; a preservação dos recursos e biodiversidade marinha; a vigilância e segurança marítimas; a prevenção de acidentes, poluição e catástrofes naturais; o controlo marítimo de fronteiras e a compatibilização com a Política Europeia de Segurança e Defesa?
Sabia que o conceito de desenvolvimento sustentável implica a concertação dos interesses de todos e que, neste âmbito, os elementos-chave podem ser: a geomorfologia, a geologia e a geotecnia, a dinâmica costeira, os recursos geológicos, os recursos hídricos, a qualidade da água, os usos do solo e a paisagem, as áreas urbanas, as zonas balneares, as obras de protecção costeira, as edificações existentes, a biodiversidade e as actividades económicas?
Sabia que se descobriu que o subsolo marinho contém novas formas de bactérias, o que quer dizer novos recursos genéticos? E que estes, incluindo novas enzimas e proteínas, têm um potencial enorme na chamada “blue biotechnology”?
Sabia que nos Açores está constituída uma plataforma de excelência na área da robótica marinha? E que a investigação na Crista Média Atlântica, em paralelo com a investigação no oceano profundo adjacente e dos grandes sistemas pelágicos, deve ser identificada como capaz de contribuir para colocar a Europa na vanguarda científica e tecnológica dos observatórios a nível mundial?
Sabia que os fenómenos vulcânicos de maior índice de explosividade constituem uma das maiores ameaças naturais à vida, estando na origem de drásticas alterações climáticas e graves problemas de saúde pública? Sabia que é por isso que devemos considerar esta área como prioritária de I&D e os Açores como um laboratório natural de excelência?
Sabia que no caso das regiões insulares, o transporte marítimo não pode ser visto como uma questão de opção em relação a outros meios de transporte? E que os Açores, rota privilegiada dos navios que cruzam o Atlântico Norte, encontrando-se sujeitos a perigos acrescidos no que se refere a poluição marinha, acidentes e tráfego de substâncias perigosas, acarretam com os riscos duma actividade que reverte em benefício de outros?
Sabia que, além disso, é essencial que todo o sistema portuário esteja coberto por políticas multidisciplinares com competências em áreas tão diversificadas como sejam a segurança portuária e dos navios, a definição de acessos e áreas restritas, a vigilância, o controlo de substâncias perigosas a bordo, o combate à imigração ilegal, à clandestinidade, à pirataria, ao terrorismo e ao tráfico de estupefacientes, ou o treino e formação de pessoal especializado?
Já sabe que o mar é uma imensa fonte de energias renováveis. Mas é do seu conhecimento que as tecnologias para o seu aproveitamento necessitam de um maior investimento, para que venham a traduzir-se em tecnologias fiáveis e economicamente viáveis, e para que tragam benefícios ambientais (evitando emissões de gases com efeito de estufa), económicos (tecnologias pioneiras susceptíveis de geração de negócios e maior competitividade), e sociais (criação de clusters industriais e de know-how, para além de mais empregos especializados)?
Está consciente da importância desta realidade nas regiões insulares e ultraperiféricas e da sua potencialidade estratégica para as mesmas, e para a União, se integradas em plataformas inter-modais (mar, ar)?
Sabe que o nosso mar é um produto turístico de excelência que proporciona actividades cujo potencial ainda não está esgotado (a observação de cetáceos, big game fishing, pesca recreativa, fotografia subaquática, mergulho, náutica de recreio/vela). Mas, sabia que é fundamental que as actividades de outros sectores (transporte marítimo, pescas, etc.) não ameacem os recursos naturais marítimos e que se estabeleçam medidas de fomento às boas práticas dos operadores marítimo-turísticos e seus clientes, no sentido de assegurar a sustentabilidade dessa actividade e, em última instância, do meio onde se desenvolvem?
Saiba isto e muito mais…e vá para férias descansado!
(*) In, Um Contributo Açoriano Para a Futura Política Marítima Europeia (http://www.azores.gov.pt/Portal/pt/entidades/srp/textoImagem/Livro+Verde+da+Política+Marítima+Europeia.htm)
Ponta Delgada, 31 de Julho de 2006